Se ainda havia dúvidas de que B Fachada é, nos dias de hoje, um dos nomes maiores da música pensada, tocada e cantada na Lusitânia de Camões e Variações, o ano de 2010 tratou de as tirar com a edição de “B Fachada É pra Meninos”, disco centrado na ideia de infância e que funciona como terapia para os adultos perdidos numa ideia de modernidade.
Foi esta rodela sonora que serviu de mote a uma espécie de temporada passada no Teatro Maria Matos, com quatro concertos divididos entre miúdos e graúdos, em que B Fachada representou o papel de Fachada McPhee, ama para todo o serviço e escalões etários.
Ontem, no primeiro dos dois concertos para os mais crescidos, Fachada iniciou a viagem de retorno à adolescência com uma interpretação ao piano de “Os Índios da Meia-Praia”, música de contestação e retrato da miséria lusitana pintado por Zeca Afonso, banda sonora para a subida dos ratings e a indefinição dos mercados. Ainda em registo íntimo, brindou-nos com “Só te falta seres mulher”, porventura um dos mais tocantes temas sobre a descoberta da sexualidade.
Com “Barrigão”, que contou com a participação especial de Lula Pena, entrámos oficialmente no parque infantil “É Pra Meninos”. Aqui, com as primeiras ecografias, os pontapés na barriga, a mudança de fraldas malcheirosas e o gatinhar endiabrado, num tempo dividido entre pais e avós para ver quem se chega à frente e toma conta da criança.
“Tó-Zé”, manifesto conta o mundo mastigado e a atitude de pau-mandado, é aqui vivido no espírito Voca People, com Martim e Mariana a marcarem o ritmo num palco iluminado por candeeiros de cabeceira.
Em “A Casa do Manel” mergulhamos no universo do faz-de-conta, na vida com que sonhávamos quando passávamos as horas fechados em salas de aula, ansiosos por construir um futuro à nossa imagem, em fazer as coisas por prazer e atirar com o dever às urtigas.
“Dia de Natal”, tema ideal para acompanhar a montagem da árvore de natal e do presépio em família, vai muito para além das desilusões apanhadas em criança com os presentes desembrulhados. Que dizer das peúgas e dos pijamas que, ano após ano, tivemos de desembrulhar na idade adulta? Quem nunca recebeu um pijama como prenda de Natal que atire a primeira peúga!
“Questões de Moral” é o primeiro grito de rebeldia de um puto bem comportado, que toma conta das irmãs, faz a cama, põe a mesa e não se mete em confusões. Afinal, o que será da vida sem alguma traquinice?
Como ensinamentos para uma vida adulta de sucesso nada melhor do que uns “Conselhos de Avô”, que nos incitam a trocar a sopa por uma bela lagosta, já que a vida a triturar bem pode ficar para mais tarde. A banda falha a entrada neste tema e Fachada assume: “Não é amador, é só sem truque”. Um concerto traquina este.
Com “Agosto” recordamos os amores de verão, o lado platónico da vida, as primeiras saudades que apertavam o coração mas que passavam com o regresso às aulas e coma visão de novas beldades que se juntavam à turma.
Segue-se nova incursão ao disco homónimo, numa passagem de testemunho da adolescência à vida adulta. “Estar à espera ou procurar” recebe um tratamento à Sonic Youth mas em versão levezinha; “Tempo para Cantar” é a entrada na velhice, o recordar de uma vida passada entre sonhos desfeitos, outros refeitos, de um percurso movido pela má fama e pelas más-línguas na procura de uma identidade.
Apesar de se confessar extremamente cansado, dizendo que as crianças lhe tinham dado cabo do corpinho e da cabeça, Fachada ofereceu-nos como encore dois temas em que canta como se não houvesse amanhã: “Memórias de Paço Forcado” e “Kit de Prestidigitação”.
O público queria mais mas Fachada estava nas últimas. Feliz, contemplou demoradamente a plateia e o balcão, agradecendo os aplausos e prometendo, com um imenso silêncio, que mais discos geniais hão-de aparecer. Temos babysitter!
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