Mais de vinte artistas portugueses e espanhóis sobem ao palco do Coliseu de Lisboa para recordar o I Encontro da Canção Portuguesa, que aconteceu há quarenta anos, nesta mesma sala, onde se entoou a canção "Grândola, Vila Morena", do autor de "Contos velhos, rumos novos".

De acordo com Vítor Sarmento, da Associação José Afonso, entidade organizadora do evento, a procura superou as expectativas e o Coliseu de Lisboa esgotou há pelo menos três dias.

"No dia do espetáculo [em 1974], a censura avisara a Casa de Imprensa, organizadora do evento, de que eram proibidas as representações de 'Venham Mais Cinco', 'Menina dos Olhos Tristes', 'A Morte Saiu à Rua' e 'Gastão Era Perfeito'. Curiosamente, a 'Grândola' era autorizada", recorda agora a Associação José Afonso.

Mais tarde, militares do Movimento das Forças Armadas viriam a escolher aquela música de Zeca Afonso - gravada para o álbum "Cantigas do Maio" (1971) - para senha da revolução, em parceria com os responsáveis do antigo programa radiofónico Limite, emitido pela Rádio Renascença, que a transmitiu, na madrugada de 25 de Abril de 1974.

Além de Zeca Afonso, nesse espetáculo participaram músicos e autores como Adriano Correia de Oliveira, José Carlos Ary dos Santos, Carlos Paredes, Fernando Alvim, Fernando Tordo, José Jorge Letria e José Barata Moura, o grupo Introito, de Nuno Gomes dos Santos, e Manuel José Soares.

De acordo com testemunhos da época, mais de cinco mil pessoas assistiram ao concerto de 1974, que se realizou sob forte vigilância da polícia, como Otelo Saraiva de Carvalho lembrou mais tarde em "Alvorada em Abril". A canção "Grândola, Vila Morena" ecoou então espontaneamente, como ato de resistência.

Quarenta anos depois, o elenco do concerto será diferente, com mais de vinte artistas, a maioria portugueses, como Sérgio Godinho, Júlio Pereira, Amélia Muge, João Afonso, António Victorino d’Almeida e Luiz Avellar, Filipe Raposo, Francisco Fanhais e Zeca Medeiros.

A eles juntam-se ainda Manuel Freire e Carlos Alberto Moniz, que estiveram há 40 anos no Coliseu, e os espanhóis Antonio Portanet, autor de "Vals en las ramas" e "Noche de quatro lunas", e Esther Merino, que já participou no Festival de Flamenco de Lisboa.

No espetáculo de hoje são ainda esperados Couple Coffee, Amílcar Vasques-Dias e Luís Cunha, Luísa Amaro e Rui Pato, que acompanhou José Afonso, no início dos anos 1960.

Em declarações à agência Lusa em fevereiro passado, Manuel Freire recordou o concerto emblemático de 1974: "Uma coisa bastante vibrante, ver o coliseu completamente cheio a cantar aquela música".

"Andávamos com o Zeca, conhecíamos a música, mas não tínhamos a pequena ideia de que aquilo ia acontecer [no Coliseu]", recordou.

O músico lembra que havia recomendações para "não levantar muitas ondas porque a polícia de choque estaria à saída" do Coliseu, mas "as mensagens eram cifradas e as pessoas estavam já treinadas para as decifrar".

O I Encontro da Canção Portuguesa realizava-se cerca de duas semanas após o levantamento das Caldas da Rainha e a menos de um mês da madrugada de Abril.

"Cantar Grândola, 40 anos depois" é organizado pela Associação José Afonso em colaboração com a Casa da Imprensa.

@Lusa