
Intitulada "Night Porter", a produção em causa resulta de uma encomenda do Festival Internacional de Música de Espinho e foi inicialmente solicitada a Bernardo Sassetti (1970-2012), cuja morte no arranque do projeto explica que o espetáculo inclua agora um tema em sua homenagem.
"Não se fica incólume quando substituímos alguém que já não está entre nós, sobretudo alguém como o Bernardo, mas apropriamo-nos desta obra (...) com o ataque e o génio do João Paulo, e a [minha] voz, que vem de um recanto da música que está longe do Jazz", declarou Cristina Branco à Lusa.
"O Bernardo, no entanto, será não só lembrado numa das músicas, mas, nesse e em todos os outros dias, como alguém que amou, que se divertiu e que alimentou a sua arte com graça e paixão - no fundo, como Cole Porter fez, no seu tempo", defende a cantora.
"Night Porter" incluirá assim alguns dos temas mais emblemáticos do autor, "alguns plenos de glamour e outros mais sombrios", como revela Cristina Branco, "mas todos determinantes na compreensão do seu percurso e de uma sociedade excessiva tão comum na época".
Semelhanças com o registo em que a cantora portuguesa se celebrizou não haverá muitas. "No fado em que acredito não há lugar para tanta luxúria, tanto fausto!", garante a artista.
"Porter escondia-se nas histórias coruscantes de uma época iluminada pela falsidade e pela hipocrisia, e ele próprio cultivava o género como expiação para a sua sexualidade, pelo que, traços comuns, eventualmente, só haverá na abordagem que ele faz ao amor, aos seus mistérios e fragilidades", acrescenta.
O respeito pelo tom original do repertório de Porter dos anos 20 a 50 foi uma prioridade para os músicos portugueses. "Procurámos reverter o trabalho feito por tantos anos de jazz, ou seja, as canções sofreram pequenas alterações", afirma Cristina Branco.
"Achámos que seria interessante seguir o 'songbook' original e trabalhar à volta disso e não das inúmeras versões que já conhecemos - sendo certo que, ainda assim, haverá lugar para inovadoras propostas vindas das mãos do João Paulo", sublinha.
Para o pianista, o principal requisito do trabalho em torno da obra de Cole Porter "é do tipo amoroso". Isso significa que "é fundamental gostar da canção", embora João Paulo Silva admita que a técnica também "é muito importante para poder estar à altura de tal exigência amorosa".
Cole Porter será aliás, a esse nível, "um mestre da dicção poética - texto, melodia e harmonia estão ali em perfeito equilíbrio". Mas João Paulo Silva considera que "isso não explica a perenidade das suas canções, porque um compositor pode cair em desgraça a qualquer momento" e, no caso do compositor norte-americano, isso não se verificou sequer quando ele sofreu um acidente de equitação que alterou para sempre a sua qualidade de vida.
O espetáculo "Night Porter" deverá, por isso, proporcionar a cada espectador a oportunidade para avaliar por si mesmo quais as razões para a longevidade desses êxitos da Broadway. A produção do espetáculo envolveu, para esse efeito, a consulta de versões antigas, quer em registo gravado, quer em partitura, no que o objetivo foi "ressuscitar alguns pormenores interessantes da harmonia original, entre aqueles que, a pouco e pouco, se têm vindo a perder em diferentes interpretações ao longo do tempo".
"A haver algo de novidade, será sempre sem qualquer garantia", reflete João Paulo Silva. "Parece-me até que a novidade não gosta de ser procurada", arrisca o pianista.
@Lusa
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