David Fonseca – Não, não existe. Acho que, a existir uma fórmula de sucesso, esta seria, simplesmente, fazer aquilo que gostamos e de forma muito dedicada – que é, basicamente, aquilo que tenho feito. Mas não me parece que isso seja, obviamente, sinónimo de sucesso directo, apesar de ser esse o meu ingrediente principal para o alcançar: fazer música, cada vez mais e melhor. Agora, se eu sei o segredo dos primeiros lugares? Não faço a mais pequena ideia.

PP - O que inspirou o álbum? Quais os seus principais objectivos, as suas principais ideias e determinações quando começou a trabalhar nele?

DF – Comecei a escrever o “Between Waves” na estrada, em digressão. E, na altura, a minha única pretensão era guardar, num novo disco, um bocadinho de todos esses momentos, um bocadinho de todas as histórias que aconteciam fora de casa e que me motivavam, de alguma forma, a escrever canções. E daí, de inúmeros takes, gravados em pequenos gravadores, em hotéis, em carrinhas, nos backstages dos concertos, enfim, um pouco por todo o lado, é que nasceu grande parte deste disco. É um disco que fala da emoção de andar na estrada e de conhecer inúmeras pessoas; um disco que reflecte a distância, os sentimentos que se apoderam de nós quando estamos sistematicamente fora do nosso meio natural. De certa forma, é um disco introspectivo, mas, acima de tudo, retrospectivo, feito na ressaca da digressão, no «pós-festa»; um disco que olha para trás, que viaja por um passado recente.

PP – Em “Between Waves”, o David toca todos os instrumentos - algo nunca experimentado em registos anteriores. O que motivou esta opção?

DF – Mais do que a necessidade de variar – algo que vou tentando fazer em todos os discos que lanço – a necessidade de me estimular. É que, para ser honesto, o estúdio cansa-me um bocadinho. Estar cercado por aquelas paredes semanas e semanas a fio torna um pouco maçadora a experiência em estúdio, até porque, quando lá chego, já levo comigo muitas, muitas, mas mesmo muitas horas de estúdio caseiro, o que me causa uma certa sensação de repetição. Mas é assim mesmo: temos que levar as músicas a bom termo, por isso, só me resta fazer com que essa estadia no estúdio seja o mais diferente possível da anterior. O facto de ter que tocar todos os instrumentos deu-me essa motivação extra, funcionou como o tal elemento surpresa, como um novo estímulo. É definitivamente melhor estar sentado à bateria, do que estar sentado à mesa de mistura a observar alguém a fazê-lo...

PP – Antes do lançamento do álbum, assistiu-se à saída de Rita Redshoes da sua banda e à sua consecutiva «substituição» pela Francisca. Foi difícil a adaptação da banda a um novo elemento? Sente falta da Rita?

DF – Todos sentimos a falta da Rita, da sua presença, até porque se trata de alguém com quem nós temos, obviamente, uma relação que vai mais além do profissional. Somos amigos há muitos anos. Contudo, achamos a saída dela muito positiva. Antes todas as bandas sofressem uma «baixa» tão positiva como esta, que não foi motivada por zangas ou desinteresse. Muito pelo contrário: a Rita saiu porque estava a fazer música, e muito bem. Na minha opinião, não podia haver melhor motivo. Porém, não entendo a chegadadaFranciscacomo uma substituição. A Rita foi-se embora e nós, simplesmente, arranjámos outro elemento para a banda – um elemento que nem sequer faz bem as mesmas coisas que a Rita fazia, um elemento que tem um papel diferente no conjunto. A Francisca toca mais guitarra do que piano, tem uma formação um bocadinho diferente e está, de facto, a fazer um trabalho óptimo.

PP – Foi, portanto, uma adaptação tranquila, feliz…

DF - Sim, muito tranquila. Tínhamos que encontrar uma pessoa que se incluísse na banda e que tivesse um ponto referencial musical idêntico ao nosso. E isso aconteceu. Neste momento, somos uma banda ligeiramente diferente, mas continuamos muito fortes ao vivo, penso eu.

PP – Apóstrês álbunsmuitíssimo bem sucedidos, o David não se sente, de certa forma, pressionado, quando dá início à composição de um novo registo?

DF – Não, de todo. Não penso minimamente nesse factor, quando faço os discos. Concentro-me apenas na sua componente artística - em fazer um disco criativamente apelativo e em fazê-lo com vontade. Mas sim, é comum a ideia de que, quando se inicia um projecto novo, este tem que equiparar o anterior, no que ao sucesso diz respeito. Eu tenho, precisamente, a opinião contrária: se os discos anteriores tiveram tanto sucesso, então um novo não terá que provar nada, nem a mim, nem a ninguém. No meu ponto de vista, o sucesso obtido em álbuns anteriores permite-me, inclusive, arriscar muito mais num álbum seguinte. Além disso, nem todos os discos têm, obrigatoriamente, que ter sucesso. Por acaso, os meus têm tido. Mas não tem que ser assim. Um artista, um músico não tem que estar sempre na ponta da onda do sucesso. Isso não é realista. Como em tudo, há momentos maiores e momentos menores, que em nada podem ter a ver com a música que se faz ou com aquilo que se cria. Têm a ver com mercados, e com um conjunto de outras coisas que me escapam por completo.

PP – Discos de ouro, discos de platina, digressões esgotadas, convites para eventos internacionais e um incontável número de fãs... Como eterno insatisfeito que diz ser, o que lhe falta alcançar ainda. no mundo da música?

DF – Eu costumo dizer que está quase sempre tudo por alcançar. Vai haver sempre aquele concerto por concretizar, aquelas sonoridades por explorar, pessoas com quem nunca tive oportunidade de trabalhar, projectos para melhorar. E é essa sensação que me vai empurrando para a frente, que me motiva para fazer mais e melhor. Não me considero, contudo, um insatisfeito por natureza, uma pessoa amarga. Mas acredito sempre que o melhor está sempre por vir.

PP -A Internet é tida como uma ameaça para os músicos e para toda a indústria musical. Contudo, novas potencialidades da internet têm vindo ao de cima, como as redes sociais, por exemplo, e todas as potencialidades de divulgação a elas associadas.O David usa e abusa da internet, mas, tendo em conta a quebra geral nas vendas dos discos que a internet induziu e contra-balançando esta com as suas mais recentes possibilidades de divulgação, pergunto: a sua carreiraseria mais fácil com ou sem Internet?

DF – Há aqui uma clara ambivalência, no que respeita o uso da Internet, que me impossibilita responder a esta questão de forma directa. Se, por um lado, a Internet facilita a comunicação com quem segue o nosso trabalho, por outro, é uma fonte de música grátis, pirateada, ilegal. É verdade que eu uso e abuso das redes sociais, como o twitter, o facebook, entre outras. Todas estas ferramentas ajudam-me a estar perto das pessoas. Mesmo quando não tenho novos trabalhos para divulgar, uso-as. Tenho um prazer muito grande em fazer parte delas, em partilhar vivências, aprender coisas. Não consigo concordar, no entanto, com a outra faceta da Internet. Sei que o mercado de música profissional, onde os discos são colocados à venda com um IVA de 20% - caríssimos, portanto – não é solução, mas o outro extremo, onde a música não tem qualquer valor comercial, onde a música está disponível para download gratuito, desvalorizando assim o trabalho de todos os que para ela contribuíram, também não o é. Ora, se a música tem uma importância tão grande na vida das pessoas – que eu acredito que tem – acho, claramente, que também deve ter um valor, um valor equilibrado com a oferta do mercado actual. Grátis, só de for por escolha de quem a faz.

PP – O David, por exemplo, optou por oferecer o primeiro single de “Between Waves” online…

DF – Sim, decidi oferecer a música online, mas foi uma decisão minha. Como disse, é nas mãos de quem a produz que deve estar essa decisão; não nas mãos do público. Ao dizer isto, estou sujeito aos típicos comentários de quem acha que os músicos estabelecidos, quando abordam este assunto, fazem-no com o intuito de defender a sua «quinta». Mas, na minha opinião, os mais prejudicados são mesmo os que se encontram em início de carreira, pois estes não terão, desta forma, nenhuma hipótese de financiar a sua música. Como vão, sem quaisquer dividendos, consegui impor-se aos milhares e milhares de bandas que existem online? Como vão conseguir chegar a um público mais vasto? Oferecendo a única coisa que têm para vender? Estamos perante uma balança muito desequilibrada. É urgente arranjar um equilíbrio, um compromisso.

PP – Não consegue, então, optar por nenhuma das realidades sugeridas na questão anterior...

DF – Ao longo da minha carreira, colhi, efectivamente, muitos frutos da Internet. Continuo a colher, aliás. Mas a Internet também já me foi prejudicial. Um Disco de Platina, por exemplo, equivalia, há seis ou sete anos atrás, ao dobro do que representa hoje. E isso deve-se também à Internet. Nós, músicos, costumamos dizer que por cada disco que é vendido, são colocadas, pelo menos, três cópias em circulação… Enfim, a Internet é o que comummente se chama «um pau de dois bicos».

PP – Ainda sobre as redes sociais... Qual é, na opinião do David, a relação ideal entre um músico e os seus fãs?

DF – Na verdade, tenho alguma dificuldade em ver-me como alguém que tem fãs. É muito mais fácil estabelecer uma ideia da minha pessoa num supermercado, a compras maçãs, do que em cima dum palco, a ser aplaudido. E essa forma de estar da vida acaba por tornar toda essa relaçãocom os fãsum pouco mais natural, mais próxima. O espaço que me separa, quando estou em cima dum palco, da plateia, não existe, para mim, cá fora. Não é dessa forma que quero que as pessoas olhem para mim. Estabelecer uma relação com as pessoas que gostam do meu trabalho é, para mim, muito natural. É algo que acontece sem artifícios, é algo muito fácil.

PP – Não tem medo, ao adoptar essa postura, de ver os limites entre a sua vida profissional e a sua vida privada serem quebrados?

DF – Nem por isso. Uma pessoa só mostra aquilo que quer mostrar, só faz aquilo que tem vontade de fazer. Nunca senti, de maneira alguma, a minha vida pessoal invadida. Sei separar os dois espectros: a vida do «super músico», e a minha vida, a vida do David.

PP – Tem uma visão optimista do estado actual da música feita em Portugal?

DF – Sim, muito optimista, pois, apesar das dificuldades, continuam a aparecer novas bandas, muito sangue novo, que nos mostra novos caminhos, novas abordagens à música que se faz neste «cantinho». Há ainda, porém, muita nova música portuguesa por descobrir, muitas bandas enfiadas numa garagem à espera de ver a luz do dia. No fundo, acho que vivemos um bom momento.

PP – Não acha, à semelhança do Tiago Bettencourt, que muita da música actualmente feita em Portugal se rende a um propósito exclusivamente comercial?

DF – Não, não acho. Procurar, exclusivamente, o sucesso comercial de uma canção ou de um disco pode ser uma armadilha muito grande – nisso concordo com o Tiago. Mas acho, realmente, que há, actualmente, muita gente a fazer coisas novas, e até com alguma coragem, coisas que em nada imitam o que se faz lá fora. Não partilho uma visão tão escura do panorama actual da música feita em Portugal.

PP – Grande parte dos músicos e compositores portugueses partilham a opinião de que compor em português é mais genuíno, mais autêntico. Alegam que seria impossível transmitirem os seus sentimentos de forma tão verdadeira se o tentassem fazer noutra língua. Presumo que não concorde com os seus colegas, visto a maior parte das músicas do David serem em inglês…

DF – Cada um faz aquilo que se sente mais confortável a fazer. É bom que haja pessoas que pensem assim – acho até natural que pensem assim, uma vez que o português é a língua mãe de todos nós. Mas tudo é válido. Se eu me sinto bem a fazer as coisas desta forma, então é a forma que eu utilizo.

PP – O facto de cantar em inglês facilitou-lhe, de alguma forma, a internacionalização?

DF – Não acho que isso seja verdade, até porque aquilo que é mais internacionalizável em Portugal é aquilo que é cantado em português e que tem a ver com a World Music. Se pensasse dessa forma, tendo em vista a fácil internacionalização, estaria provavelmente a cantar fado, em português.

PP – Aproximam-se os concertos nos Coliseus. Sente-se nervoso por voltar a estas salas tão emblemáticas? Sente que carrega uma responsabilidade acrescida, nestes dois espectáculos?

DF – Um bocadinho. Talvez sejam as datas em que mais nervoso fico – as datas dos Coliseus. Mas não tem a ver só com as salas, tem a ver com os espectáculos, pois são muito diferentes daqueles que eu faço quando ando em digressão pelo país. Trata-se de um espectáculo muito específico, aquele que levo aos Coliseus. E isso faz, obviamente, com que os nervos sejam maiores. Mas são concertos que eu adoro fazer, são concertos com muitas surpresas inesperadas, onde se pretende que as pessoas que lá vão possam esquecer um bocadinho as suas vidas, que possam entrar num universo musical diferente, e que possam divertir-se, acima de tudo.

Sara Novais