Os Yeah Yeah Yeahs nunca foram avessos à mudança. O trio composto por Karen O, Nick Zinner e Brian Chase é, aliás, um belo exemplo de um grupo que soube traçar, de álbum para álbum (ou de EP para EP, formato que contém algumas das suas pérolas), um novo rumo que nunca deitou abaixo o que estava para trás, apurando uma linguagem sem a descaracterizar. Os nova-iorquinos despertaram atenções com a urgência punk de "Fever to Tell" (2003), saltaram para a inesperada contenção de "Show Your Bones" (2006) e atingiram o patamar de excelência pop com "It's Blitz!" (2009), um dos discos mais graciosos da década passada - da qual os Yeah Yeah Yeahs são dos pouquíssimos sobreviventes confiáveis quando o terreno é rock de contornos indie (um rótulo cada vez mais duvidoso).

"Mosquito", o quarto álbum, mantém a tendência dos anteriores e comprova que, ao contrário de muitos colegas que revisitaram a new wave ou o garage rock há cerca de dez anos, os Yeah Yeahs Yeahs não gostam de se repetir. E não só não gostam como o seu novo disco é facilmente o mais expansivo do seu currículo, o que nem sempre é uma vantagem quando a falta de um fio condutor é evidente logo aos primeiros temas: ao gospel eufórico de "Sacrilege", o estranho single de avanço, segue-se a tímida "Subway", com Karen O numa busca amorosa por gares e carruagens (os samples de carris assentam-lhe bem), até que a faixa-título volta a trocar as voltas a qualquer tentativa de coerência ao falar, muito diretamente, da maçada que são os mosquitos entre gritos e percussão tribal.

Videoclip de "Sacrilege":

Depois da concisão polida de "It's Blitz!", "Mosquito" surge como o irmão temperamental, indeciso e mutante, mesmo que nunca seja tão esgrouviado como a capa. Não que a primeira amostra visual seja propriamente enganadora: o imaginário de série B (ou Z?) dessa estética passa por episódios como "Area 52", acesso punk com referências a invasões alienígenas, ou por "Buried Alive", saudável híbrido hip-hop que convoca Dr. Octagon (alter ego do rapper Kool Keith) e tem produção a cargo de James Murphy. O mentor dos LCD Soundsystem é a única novidade nesse departamento, já que o habitual David Sitek (dos TV on the Radio) e Nick Launay (presente no álbum anterior) gerem grande parte das texturas destas canções.

Ao longo de um alinhamento desconexo, "Mosquito" tanto tenta aproximar-se, numa versão mais cartoonesca, da crueza dos primeiros dias do grupo como mergulha, nas três últimas canções - as mais "sérias" -, na depuração eletrónica e intimista vincada por "It's Blitz!". Nada disto corre mal, mas o melhor desta aventura é mesmo a chegada às paisagens lânguidas de "Under the Earth" e "Slave", sugestivas apropriações dub e reggae que piscam o olho a Siouxsie and the Banshees (uma influência antiga) ou Santigold (uma amizade recente) sem deixarem de soar aos Yeah Yeah Yeahs mais surpreendentes. Se "Mosquito" pretende, como dá a entender, atirar-se de cabeça do familiar para o desconhecido, estas coordenadas destacam-se entre as mais auspiciosas de uma viagem que, sem arrebatar em todas as paragens, continua tão irrecusável como as anteriores.

@Gonçalo Sá