Dee Dee, a vocalista, compositora e mentora das Dum Dum Girls, não tem perdido tempo. De 2008 para cá, a californiana que criou o projeto no quarto antes adotar o formato de banda em palco editou já dois álbuns, quatro EPs e uma compilação de raridades, tornando-se rapidamente numa das cantautoras mais prolíficas dos últimos anos. "Too True", no entanto, quase mudou o rumo da história. Problemas de voz ditaram um atraso, inédito até aí, das gravações, e as primeiras versões das canções ficaram aquém do que Dee Dee procurava.

Mas o que foi inicialmente uma frustração acabou por se transformar numa benção, como a cantora tem salientado nas entrevistas mais recentes. O compasso de espera deu-lhe tempo de se entregar às palavras de autores como Arthur Rimbaud, Rainer Maria Rilke, Anaïs Nin ou Sylvia Plath, cujo imaginário inspirou a atmosfera deste terceiro álbum. Além de escritores, ou de poetas-cantores como Lou Reed e Patti Smith ("os meus pais espirituais", assume), Dee Dee tem apontado discos dos Suede, Siouxsie and the Banshees, Madonna ou Stone Roses como pistas para o que ouvimos em "Too True".

Videoclip de "Lost Boys and Girls Club":

A revisitação assumida, por vezes até demasiado próxima, de obras de terceiros não será novidade para quem acompanha a discografia das Dum Dum Girls, claramente devedora de referências dos girls groups ou do surf rock de há mais de meio século, seja num formato lo-fi sujo ("I Will Be", o álbum de estreia, de 2010) ou numa vertente mais polida trabalhada em estúdio ("Only in Dreams", de 2011). A diferença é que "Too True" não expõe tanto a herança das harmonias de Phil Spector (embora não as dispense por completo), atirando-se a horizontes mais vastos, quase sempre enraizados nos anos 1980. A mudança faz bem a uma banda cujas canções, apesar do savoir faire irrepreensível na reconstituição de época, funcionavam melhor isoladamente do que em conjunto - os álbuns anteriores deixavam evidentes as fronteiras das Dum Dum Girls, tanto pelos géneros repescados como pelas estruturas idênticas das canções.

Este regresso ainda não nos dá a obra de referência do quarteto de Los Angeles, até porque está mais interessado em olhar para o passado do que em antecipar o futuro, mas isso também não é um problema quando o resultado é uma pop tão hábil - às vezes misteriosa, às vezes encantadora, sempre consequente num revisionismo avesso a decalques óbvios.
"Lost Boys and Girls Club", o hipnótico primeiro single, pilha a aura gótica de Siouxsie and the Banshees sem deixar de refletir o carisma de Dee Dee, uma ótima vocalista capaz de injetar charme e subtileza até nas canções mais formulaicas (e de amplificar o efeito quando protagoniza um videoclip em modo vamp). A composição nem é, aliás, o trunfo de "Too True", que brilha sobretudo pela entrega da voz e pela forma como a envolve num novelo de camadas. E mesmo as leituras da mentora do grupo não parecem ter alterado muito as letras, confissões emocionais diretas de uma pop não especialmente literata. "Rimbaud Eyes" referencia o poeta francês, mas o que fica da canção é a imponência new wave de um dos momentos mais agrestes do alinhamento - com lembranças quase imediatas dos Psychedelic Furs ou dos Echo & the Bunnymen.

O contraste entre episódios esquivos e acelerados, como "Evil Blooms", "In the Wake of You" ou "Little Minx", e a descompressão dream pop de "Are You Okay" ou da adorável "Too True to Be Good" fazem deste o álbum mais versátil das Dum Dum Girls - e mostram que as pistas dos Suede e Madonna (fase "True Blue", nem mais) sugeridas por Dee Dee têm alguma razão de ser, embora os esquecidos Sundays ou Lush nos pareçam mais próximos destas paragens. Se as atmosferas surgem mais depuradas do que nos discos anteriores, a equipa de produção manteve-se e os créditos são partilhados por Richard Gottehrer e Sune Rose Wagner. Ele colaborou com os Blondie ou as Go-Go's, ela é metade dos Raveonettes, e a união deixa marca num disco tão assente nos diálogos entre melodias e texturas.

A maquilhagem das canções de "Too True" vai mudando, mas a duração ronda quase sempre os três minutos, como nos registos anteriores, a reforçar uma precisão pop que já começamos a tomar como garantida - a balada sóbria "Trouble is My Name", no final, é o único tema que se atreve a pedir alguns segundos extra. A estratégia torna o álbum facilmente digerível, embora impeça voos mais altos como "Coming Down", momento-chave de "Only in Dreams" e ainda a grande canção das Dum Dum Girls (literalmente, pelos quase épicos seis minutos e pouco, todos a tirarem partido da intensidade de Dee Dee). Mas esta limitação será mesmo o pior que podemos apontar a um dos discos mais convidativos da temporada...

@Gonçalo Sá