É difícil não simpatizar com Justin Timberlake. Jimmy Fallon até foi mais longe e não hesitou em considerá-lo "o presidente da pop" na última cerimónia dos MTV Video Music Awards, em que a atuação do ex-N'Sync pode não ter sido o momento mais comentado mas foi de longe o mais imponente. É claro que o longo tempo de antena também o favoreceu, embora o cantor de "SexyBack" tenha voltado a mostrar qualidades que o distinguem de outras estrelas masculinas da pop atual.

A milhas do aborrecidíssimo Bruno Mars, mais empático do que Kanye West e sem as crises de identidade do outro Justin, Timberlake tem contado com um carisma e desenvoltura certeiros, aliados a uma inteligente gestão de carreira e escolha de colaboradores - um pouco à imagem de George Michael ou Robbie Williams antes dele, capazes de triunfar em nome próprio e eclipsar um passado mais questionável numa boy band. Daí a ganhar, para já, o estatuto de "lenda", como Fallon também defendeu e muitos aplaudiram, é que ainda vai alguma distância e um disco como "The 20/20 Experience – 2 of 2" explica porquê.

A fechar o díptico cujo primeiro volume, "The 20/20 Experience", foi editado em março, este novo conjunto de canções mantém os méritos e defeitos daquele que é, até à data, o disco mais vendido do ano nos EUA. Por um lado, estes 74 minutos não soam a sobras desse registo inicial, mesmo que não abdiquem de um apuro comparável na produção e arranjos. Da EDM, tentação fácil da pop atual, não há aqui qualquer vestígio, e ainda bem, até porque o alinhamento recupera algumas das linguagens de "FutureSex/LoveSounds" (2006), o álbum mais consensual do norte-americano. Os ritmos sincopados de Timbaland, base instrumental da maioria destes temas, mostram-se mais sedutores do que muita eletrónica espalhafatosa e têm aqui uma voz à sua medida.

Videoclip de "Take Back the Night":

Por outro lado, estes 74 minutos são também demasiados para as ideias - mais interessantes do que surpreendentes - propostas por Timberlake. A recusa do mínimo denominador comum merece respeito, mas se "The 20/20 Experience – 2 of 2" deixa, como o seu antecessor, uma clara intenção de fugir à lógica da pop mais formatada, não responde com canções à altura de tanta ambição. Quando o tema mais curto ultrapassa os quatro minutos e a média está bem acima disso, o alinhamento transforma um potencial tratado de elegância, classe e sofisticação numa experiência por vezes próxima da modorra.
Não se pediam necessariamente canções de três minutos talhadas para playlists, só fica por esclarecer qual a necessidade de as esticar quando já esgotaram os seus trunfos. "True Blood" é talvez o exemplo mais gritante dessa redundância: começa como um portento funk/R&B dançável, com uivos e delírio camp à mistura, e arrasta-se durante quase dez minutos, perdendo-se em variações que fariam mais sentido numa remistura.

Elegendo Michael Jackson ou Prince como figuras tutelares - o primeiro é praticamente homenageado no single "Take Back the Night", estiloso cartão de apresentação -, Timberlake alia passado e presente ao convidar duas estrelas hip-hop do momento: Drake, a dar conta do recado nos ambientes luxuriantes de "Cabaret", e Jay Z, que além de dispensável consegue ter um discurso infeliz sobre Yoko Ono em "Murder" (e desperdiça a percussão herdada de "Get Ur Freak On", de Missy Elliott, um dos maiores clássicos com assinatura de Timbaland).
Mais amparadas pelas guitarras, "Drink You Away" e "Only When I Walk Away" também são ritmadas mas acusam rapidamente a repetição, efeito do qual "Gimme What I Don't Know (I Want)" sabe esquivar-se, funcionando como uma auspiciosa faixa de abertura - capaz de fazer a ponte com a primeira parte do díptico ao manter alguns dos seus temperos mais exóticos, num R&B tropical com direito a rugidos e outros sons da selva.
À medida que progride, "The 20/20 Experience – 2 of 2" nunca chega a ser tão tórrido e escaldante como este início sugere e algumas das letras pretendem, apesar das doses generosas de falsetes e orquestrações. Não há sequer um candidato a single com a força de "Mirrors" ou mesmo "Suit & Tie", muito menos de um "My Love". O final, em especial, é morno e serve uma seleção de baladas inofensivas, incluindo uma faixa extra a prolongar ainda mais um álbum com uma evidente overdose de canções. Um álbum perfeitamente apresentável, mas nunca vital, impressão também aplicável a um díptico que não precisava de 144 minutos de música. Cerca de metade da duração, com um best of dos dois discos, teria sido a conta certa para uma experiência intrigante (e arriscada) que se fica pela mediania.

@Gonçalo Sá

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