Desde 2007, ano da edição de "Beauty & Crime", que não tínhamos grandes novidades de Suzanne Vega. Pelo menos se por novidades entendermos material inédito, uma vez que a nova-iorquina não esteve propriamente parada desde então. Entre 2010 e 2012, editou mesmo quatro discos da série "Close-Up", dedicada à revisitação, em formato acústico, de muitas das suas canções ordenadas por temas: canções de amor, pessoas & lugares, estados de alma, canções sobre a família. Enquanto as apresentou em vários palcos nesse novo formato, ao lado do produtor, guitarrista e colaborador de longa data Gerry Leonard, foi colhendo inspiração para "Tales from the Realm of the Queen of Pentacles".

O título deste oitavo registo de originais, de longe o mais rebuscado da sua discografia, pode gerar alguma estranheza, mas basta a primeira canção do alinhamento, "Crack in the Wall", para nos situar em território reconhecível: o de um cruzamento sofisticado, sem ser conformista, entre a folk e a pop literata, conduzido pela guitarra e uma voz que nunca denuncia os seus 54 anos.

Relato de viagens entre o real e o imaginário, o material e o espiritual, este tema de abertura funciona como introdução para algumas das questões que Vega vai abordando nos seguintes, nascidas de um interesse recente, mas intenso, pelo tarot (daí o título do disco aludir a uma das suas figuras).
Alternando entre o papel de observadora e o de participante, embora opte mais por parábolas do que por um registo auto-biográfico e confessional, a autora de "99.9F°" complementa as palavras com a curiosidade sonora que distinguiu esse álbum de referência. Sem ser propriamente um paradigma de pop experimental, "Tales from the Realm of the Queen of Pentacles" torna-se menos direto depois dos três primeiros temas, os mais lineares, propondo estruturas e arranjos com algumas zonas de risco.

Lyric video de "Fool's Complaint":

"Don't Uncork What You Can't Contain" será dos exemplos mais óbvios desse desvio, ao samplar "Candy Shop", de 50 Cent, e adornar uma das canções mais espevitadas do disco - vincada por um fraseado acelerado e jogos de linguagem - com sonoridades árabes, grandiosas e misteriosas. Dificilmente esperaríamos uma associação entre universos de artistas tão díspares, apesar de a relação de Vega com o hip-hop não ser inédita (como o confirma a muito samplada "Tom's Diner", a quem nem David Carreira e Snoop Dogg resistiram). Mas a apropriação resulta, como resultam as palmas ininterruptas a marcar o ritmo de "Jacob and the Angel", incursão por passagens bíblicas com arranque minimalista e desfecho ancorado em orquestrações quase cinematográficas - com direito a uma insinuante linha de guitarra pelo meio.

As orquestrações regressam em "Song of the Stoic", talvez a grande canção do álbum, onde Vega veste a pele de uma personagem masculina e veterana que recorda uma vida de abusos, sacrifícios e algumas conquistas. Liricamente, é dos momentos mais terra-a-terra de um disco nem sempre inteligível na faceta esotérica. A nível sonoro, é um pequeno prodígio de contrastes que nunca parecem forçados, indo da união do banjo e ritmos quase industriais à apoteose mais uma vez orquestral e com uma segunda voz gospel. Que estas viragens nos pareçam orgânicas e nunca ameacem o tom solene da letra diz muito sobre o talento da sua autora - e já agora, das dezenas de músicos que a acompanham ao longo do álbum, caso do baixista dos King Crimson ou de colaboradores de Bowie ou Dylan.

A suceder a um dos episódios essenciais do alinhamento, "Laying on of Hands/Stoic 2" não começa tão bem: os batuques meio banais que nos convidam para esta reflexão inspirada em Madre Teresa de Calcutá ficam aquém da produção engenhosa a que Vega nos habituou. Em compensação, mora aqui um dos momentos vocalmente mais inspirados do álbum, com destaque para um remate cujo frenesim desfaz a indiferença dos primeiros segundos - a entrega de Catherine Russell, novamente em registo gospel como segunda voz, também ajuda.

Outros argumentos para regressarmos ao disco incluem o riff viciante de "I Never Wear White", declaração de intenções seguidora da melhor escola do rock alternativo dos 90s; a serenidade eletroacústica de "Portrait of the Knight of Wands", a lembrar alguns ambientes de William Orbit desenhados para Madonna; os sussurros de "Silver Bridge", enganadora canção de embalar; e a despedida muito simples, mas também muito emotiva, de "Horizon (There is a Road)", com um trompete melancólico a fechar um álbum triunfante.

Sem ser paragem obrigatória na discografia da sua autora, "Tales from the Realm of the Queen of Pentacles" prova que a edição em nome próprio a que a nova-iorquina quase se viu obrigada - depois de ter sido abandonada por duas editoras nos últimos anos - foi o caso de um mal que veio por bem. Menos arrumadinho do que o disco editado pela Blue Note em 2007, este regresso convence-nos que Suzanne Vega não precisa de voltar a esgravatar o seu catálogo tão cedo: o futuro, quase 30 anos depois da estreia ("Suzanne Vega", 1985), pode ser igualmente auspicioso.

@Gonçalo Sá