
"Pela primeira vez senti-me a acompanhar-me a mim próprio, porque durante toda a vida só tinha acompanhado os outros - Carlos Paredes, António Chainho, Pedro Caldeira Cabral, João Torre do Vale e muitos outros guitarristas... dezenas de guitarristas e fadistas", confessa-nos Fernando Alvim durante uma conversa em sua casa.
Após 54 anos de carreira, o guitarrista - que acompanhou, por exemplo, Carlos Paredes durante um quarto de século - estreia-se na composição literalmente em grande. "Os Fados e as Canções do Alvim", álbum duplo, junta 18 fados e 17 canções e reúne 35 vozes convidadas, um trabalho resultante de "ano e meio de labuta":
"Foi um trabalho muito interessante e estimulante. Estou com o coração cheio de alegria por ter chegado aqui", realça Fernando Alvim, visivelmente emocionado, ao ver concretizada uma ideia adiada durante décadas.
"Quando era mais novo nunca tive tempo para compor, estava sempre preocupado em estudar o repertório dos artistas que acompanhava. E também queria ter tempo para passear, conhecer os locais onde estava, ir às discotecas comprar discos... Agora houve um abrandamento da minha vida, também por motivos de saúde, e foi a ocasião para desenvolver as ideias que tinha", explica.
A "riquíssima" ideia de Camané e outras histórias
Se as canções acabaram por ir surgindo naturalmente, o título do disco teve um parto mais difícil. E nesse caso, Fernando Alvim, depois de não encontrar nenhum que o satisfizesse, acabou por aproveitar uma sugestão de Camané - "Os Fados e as Canções do Alvim", uma "riquíssima ideia" e síntese eficaz do que o álbum tem para oferecer. Afinal, além do fado, indissociável do seu percurso, houve outros géneros que influenciaram o guitarrista. "Procurei fazer um resumo da minha vida musical dos anos 50 até agora. Fui fazendo as músicas e escolhendo os artistas que achava mais adequados para cada uma. Não houve ninguém que dissesse que não, daí a razão de ter feito 18 fados e 17 canções", assinala.
Camané foi logo o primeiro a ser contactado. "Sentiu-se honradíssimo com o convite, veio cá a casa ouvir as músicas, gostou, e assim surgiram as duas primeiras canções", recorda Fernando Alvim. E o resto é história: a história de um ano e meio atarefado, embora "sempre emplogante" - "às vezes ficávamos até à uma da manhã a tratar da letras, dos poemas" -, e também uma história de amor, já que o então acompanhador teve agora alguém a acompanhá-lo. "A Rosarinho, a minha mulher, como produtora executiva, teve um trabalho muito difícil: coordenar 35 pessoas, uma tarefa que considero épica e pela qual lhe agradeço muito", enaltece o músico.
Dos bairros lisboetas à América do Sul
Nesta reunião de amigos, súmula de "uma geração de ouro de músicos e cantores de fado, mas também de acompanhadores de primeira categoria", há ainda espaço para outras vozes e sensibilidades: Rui Veloso, Rão Kyao e até Fafá de Belém. "Fiz uma bossa nova e uma balada pensadas para uma voz brasileira. Pedi a letra ao Tiago Torres da Silva e ele disse-me que a Fafá tinha vindo cá para uns espetáculos e estava em Cascais. Ele telefonou-lhe, fomos a correr para lá e ela gostou tanto da música que se prontificou a gravá-la no dia seguinte", conta Fernando Alvim a propósito da participação da cantora brasileira.
Além do embalo da bossa nova, o guitarrista propõe, no disco de canções, um pezinho de tango. "Quando era miúdo, ouvia muito tango, até porque se ouvia muito na altura e sempre gostei muito. Por isso, decidi fazer um e convidei o Ricardo Ribeiro, um cantor que me arrepia, que tem uma força e intensidade enormes", realça. Carlos do Carmo, Ana Moura, Cristina Branco, Carminho, Marco Rodrigues, António Zambujo, Raquel Tavares ou Pedro Moutinho são algumas outras vozes de "Os Fados e as Canções do Alvim", um disco em que a música, como todas as grandes paixões, faz mais sentido quando é partilhada.
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