
No dia em que a música clássica subiu ao palco principal e a morna cabo-verdiana ao auditório, foram muitos os que, sem o peso de perder algum dos seus artistas de eleição, se deslocaram a outros palcos mais pequenos. Foi o que também fizemos. No palco Solidariedade, no Espaço Internacional, o Projecto Bug fazia a festa com versões de músicas tradicionais: do Alentejo à Laurindinha que vem à janela, não esquecendo, claro, a própria Carvalhesa. Muitos lhes atribuíram um estilo festivo a fazer lembrar os Kumpania Algazarra, que dois dias depois subiriam ao palco principal da Atalaia.
Enquanto isso, no palco de Setúbal, o rock reinava, através da música dos Bar Aberto, que na bagagem trouxeram vários êxitos dos 80 e 90, de bandas como os ACDC e outras tantas do espectro do rock. De seguida foi Alexandre Stuhuhu que subiu ao palco e continuou com a onda rock e os solos de guitarra. Quando saímos do recinto, ainda havia festa no palco arraial.
Foram os Quartet of Woah que abriram as hostes do palco 25 de Abril, no dia 7, depois de terem passado pelo Super Bock Super Rock ainda este Verão e terem lançado "Ultrabomb" no ano passado - um álbum que abriu portas e conquistou a crítica e os agora fãs. Antes do concerto começar, já se ouvia um burburinho, um diz que disse que aquela banda era boa. Tanto foi, que às 15H00, depois de mais uma Carvalhesa e debaixo de um sol abrasador, o relvado junto ao palco 25 de Abril estava composto e composto se manteve na hora de receber os The Parkinsons, banda que nasceu em Coimbra e protagonista de um dos concertos mais loucos da festa. Punk ruidoso, riffs fugazes, subidas pelos andaimes dos palcos, crowdsurfing e uma vontade descontrolada de saltar para junto do público. Talvez seja esta a melhor definição para um concerto que passou num estalar de dedos.
Junto ao rio, no Auditório 1º de Maio, o final de tarde foi marcado pelo jazz dos Motion Trio, que, para quem estava mais longe, era abafado pela batida de "This is for my people", aquele que é o maior êxito dos Nu Soul Family e que rodou duas vezes em concerto. Outro momento alto, apanhado de passagem, foi uma versão, bastante fiel, de "Get Lucky”, um original dos Daft Punk, que dominou as playlists das rádios no Verão.
Falando de Verão e de dias de sol, não podemos deixar de parte os Skalibans, que, com as suas influências reggae, deixaram o público ao rubro e a dançar, marcando o final de tarde do primeiro dia. Ainda assim, não há quem cante o primeiro dia, ou até a liberdade, como Sérgio Godinho, um dos cantautores mais amados pelo público, que cantou sem falhar estas e outras músicas como a "Balada da Rita" ou "Com um brilhozinho nos olhos".
No mesmo ano em que Godinho lançava “Tinta Permanente”, os Primitive Reason começavam a sua carreira. No palco do Avante promoveram Power to the People, o seu novo álbum, e vieram munidos de uma go pro e de êxitos como “Hipocrita” ou “Seven fingered friend”, mostrando a já habitual fusão entre o rock e o reggae que os caracteriza.
À noite, junto ao Tejo, a voz grave de Maíra Freitas aquecia uma noite de final de verão. Quando chegámos, já o concerto da brasileira, que iniciou a sua carreira ao piano, havia começado. Entre “Dream a little dream of me” e “Disritmia”, canção do seu pai, Martinho da Vila, Maíra vai pedindo ao público que a acompanhe, caso saiba as letras. “Corselet”, um corpete em português - uma “vestimenta para as horas especiais” - fecha a atuação desta mulher, considerada por muitos uma das grandes revelações dos últimos anos da música brasileira.
Por esta altura já os Expensive Soul animavam o palco, num dos concertos mais cheios da noite. “Falas Disso”, “Brilho” e “Eu não sei” foram alguns dos êxitos que a dupla interpretou para os fãs, pedindo sempre “mais barulho”, perante um coro de vozes que entoava as letras todas de cor. À saída, na passagem pelo palco Novos Valores, os MindTaker, de Évora, organizavam os mosh e as death wall ao som dos seus originais de thrash metal.
No dia seguinte, de direta da Alemanha, os UHF repetiram a proeza do dia anterior. O calor não foi entrave para a multidão que vibrou com músicas como “Cavalos de Corrida”, “Menina estás à janela” e ainda “Vejam Bem”, uma versão de Zeca Afonso lançada pela banda em 2010. Nas palavras de António Manuel Ribeiro “seria impossível faltar a esta festa, uma festa onde Portugal está representado”.
E a festa continuou, mais não seja por ser o nome do mais recente álbum dos Kumpania Algazarra que, ainda que a uma distância maior do que a habitual, fizeram o público dançar e levantar ondas de pó ao som de músicas como “Supercali”, “Pudim” e “Maré”.
Já passava das 20h00 quando os Deolinda subiram ao palco 25 de Abril. Ana Bacalhau confessou o quão feliz estava por novamente pisar o palco da Quinta da Atalaia, perante uma casa cheia, de letras na ponta da língua. “Não tenho mais razões”, de “Dois Selos e Um Carimbo”, deu início a um concerto de êxitos que o quarteto foi colecionando em seis anos. “Mal por mal”, “Fon Fon Fon”, “Movimento Perpétuo Associativo”, “Que parva que sou” e até a balada “Clandestino” são exemplos disto mesmo. Tim, dos Xutos e Pontapés, subiu ainda ao palco para cantar “Musiquinha”, do mais recente “Mundo Pequenino”.
Segundo o próprio, “amor com amor se paga”, e por isso a vocalista dos Deolinda subiu também ao palco durante o concerto dos Xutos, como nunca a vimos antes, para cantar “Dia de São Receber”, com garra, destemida. Mais tarde confessou ser este um sonho de criança, agora concretizado. E foram os Xutos e Pontapés, no seu estatuto de veteranos, que encerraram o palco da Festa do Avante. E se os Xutos são para muitos a melhor banda rock portuguesa, em muito também o devem à legião de fãs que os acompanha - alguns esperavam já na primeira fila desde o comício. Entre as músicas de sempre, como “Circo de Feras”, “Contentores”, “A minha Casinha” e “Maria”, surge um Homem do Leme que já não é “slow” e uma música nova, ainda sem nome, nem edição, que surgiu com o propósito de trazer “algo novo” ao Avante. Uma música agradável ao ouvido e na qual os cinco músicos voltam a abordar os problemas de uma geração que, apesar de tudo, já não é a sua.
“O slogan diz que não há festa como esta - e é verdade”, disse António Manuel Ribeiro no final do concerto dos UHF. No recinto corre-se Portugal de Norte a Sul e ainda se dá um salto a vários países do globo no Espaço Internacional. Uma festa com iguarias tradicionais, com arte, com artesanato e música. É em Setembro, na Atalaia, que se abre um dos maiores leques da música portuguesa, onde a diversidade e a criatividade imperam. Mas a festa do Avante não é um festival de música, é uma festa e uma festa portuguesa, que traz até à Amora, na Margem Sul, uma amostra do que melhor se faz por cá e também nos países que nos são próximos. É um festa com espírito e uma festa única. Até para o ano, “camaradas”!
Texto: Rita Bernardo
Fotografia: Nuno Bernardo
Comentários