Quase não há artigo sobre as Haim que não faça, pelo menos, uma breve referência aos cada vez mais legitimados (e até incensados) Fleetwood Mac. Muitas vezes por
iniciativa da banda de Alana, Danielle e Este Haim, fãs confessas dos autores de "Rumours" ou "Tusk", mas sobretudo porque as canções de "Days Are Gone" devem alguma coisa ao soft rock de meados dos anos 1970. A aproximação completa-se com o facto de estas três irmãs também viverem em Los Angeles, mantendo os ambientes veraneantes associados à cidade tanto nas canções como na imagem. Ou pelo menos é essa a perceção que muitos têm delas. "Mas acho mesmo que não. Há diga quem que sim, que a nossa música tem um lado soalheiro, mas não me revejo muito nisso. Mas adoro viver aqui e não me imagino a viver noutro lado", explica-nos Danielle ao telefone.

Soalheiro poderá então nem ser o termo, até porque boa parte das letras centra-se em desilusões amorosas, embora não tenhamos ouvido muitos discos tão descaradamente pop, e com produção tão luminosa e resplandecente, como o primeiro longa duração das Haim - sem que esses elementos sejam sinónimo de preguiça criativa ou facilitismo. Os Fleetwood Mac serão a comparação mais habitual, mas o elenco de nomes próximos inclui as esquecidas Heart, Shania Twain, Dixie Chicks ou Taylor Swift, bases pouco óbvias (e pouco aliciantes) de uma banda que liderou a lista de apostas para 2013 da BBC, conquistou Pharrell Williams à primeira ("Vocês são o futuro", disse-lhes) e adicionou os Vampire Weekend à lista de amigos.

Videoclip de "Falling":

"Days Are Gone", produção familiar

A viagem entre o soft rock dos anos 1970, a power pop da década seguinte e o R&B fim de milénio, com acessos country e folk, também já foi feita, no todo ou em parte, por gente como Feist (dos primeiros tempos), Chairlift ou Jessie Ware nos últimos anos. Mesmo assim, "Days Are Gone" é um caldeirão de influências mais amplo, corta na ironia e olhar pós-moderno e investe tudo em refrãos que não têm medo - pelo contrário, mostram ambição - de figurar no Top 40. E se não poupa nos truques de produção para lá chegar - com um perfeccionismo raro numa estreia -, também não reduz as Haim ao rótulo de brincadeira de estúdio - que o digam os seus concertos no South by Southwest, no iTunes Festival ou em Glastonbury, apenas alguns da extensa digressão em torno de "Forever", EP editado no verão do ano passado. Danielle, vocalista principal e multi-instrumentista, conta-nos como tem corrido o salto do quase anonimato para a aclamação praticamente consensual:

SAPO Música - Sentiram mais pressão para o álbum depois de um EP tão elogiado como "Forever"?
Danielle Haim - Não pensei muito nisso. Estamos muito entusiasmadas por as pessoas virem aos nossos concertos, isso é extraordinário. Antes do "Forever", ninguém vinha. Poder estar num estúdio a gravar um disco é muito excitante para nós. Mas nem sentimos que as coisas tenham mudado muito, fomos dando pequenos passos. Foi um processo lento porque começámos por tocar ao vivo numa sala e aos poucos fomos apagando o que fizemos, acrescentámos samples, tentámos perceber o quanto o disco poderia ter de orgânico e de sintético. Foi uma experiência exigente, mas acabou por correr bem.

SAPO Música - Após a edição de "Forever", "Days Are Gone" demorou mais de um ano a chegar...
Danielle Haim - Não somos boas com prazos. Tivemos de trabalhar com isso mas era algo a que estivéssemos habituadas. Se não gostamos de alguma coisa, por norma não a editamos. Mas as regras do jogo são essas, estamos entusiasmadas e as pessoas parecem gostar do que fazemos, por isso às vezes temos de editar alguma coisa acerca da qual não estamos 100% certas. Quer dizer, nunca chegou a esse ponto, mas os prazos são muito stressantes quando estás a tentar criar algo em que acredites. Mas se não for assim, também não conseguiremos viver da música... há um ano, não conseguíamos, todas tínhamos empregos mas partilhávamos esse sonho.

SAPO Música - O facto de serem irmãs torna difícil separar o lado pessoal do profissional?
Danielle Haim - Para nós é normal. Desde pequenas que nos lembramos de passar muito tempo a tocar juntas. Acho que sempre quisemos fazer da música uma carreira mas demorámos algum tempo a perceber como. Antes do EP já tínhamos tocado muito em LA mas nunca nos prestaram muita atenção...

SAPO Música - Antes destas edições, andou em digressão com Jenny Lewis e Julian Casablancas [vocalista dos Strokes]. De que forma é que esta experiência de palco com outros artistas teve repercussão no seu trabalho com as Haim?
Danielle Haim - Gravei alguns lados B com o Julian e percebi o quão arduamente ele trabalhava no estúdio. Chegava a ficar três horas ou mais à procura de um som muito específico de teclado. A atenção dele ao detalhe inspirou-me muito e nós também temos muito isso, gostamos de chegar ao estúdio e tentar chegar aos sons que imaginámos. Não sabia muito bem como fazer isso e trabalhar com ele ajudou-me bastante. Ele trabalha muito, noites e noites, e se tiver de cumprir um prazo é incansável.

SAPO Música - E as Haim conseguiram chegar ao som que procuravam depois de quase um ano em estúdio?
Danielle Haim - Ainda estamos a trabalhar nisso, a experimentar, há sempre margem para crescer. Gostamos muito da mistura de sons, de testar combinações, interessa-nos muito explorar as possibilidades da produção - para o melhor e para pior, porque os nossos produtores ficam loucos [risos]. Mas estamos a levar o nosso som exatamente para onde queremos, estamos a chegar lá...

SAPO Música - Que artistas destacaria como referências da mistura de sons, da mestria na produção?
Danielle Haim - Gosto muito do Beck. Não consegues descrever o som dele, ele é muito bom na mistura de sons. Ou o Prince, que vai da pop ao R&B ou ao funk. Também adoro os Outkast, são muito experimentais, não vão pelo caminho óbvio, e isso é algo que respeito e admiro. Tentamos ir por aí também, pela mistura de géneros.

SAPO Música - Tem acompanhado as reações a "Days Are Gone"?
Danielle Haim - Tento não pensar nisso. Num mundo ideal, teríamos gravado o álbum logo quando gravámos o EP. Tento não ceder muito a essa pressão e continuar a fazer as coisas como sempre fizemos: se gostarmos do que estamos a fazer, continuamos a seguir nessa direção... se não, mudamos o que for preciso. E enquanto for assim, estamos bem.

@Gonçalo Sá