A vida deste texano de 38 anos tem vários dos ingredientes que fazem nascer os mitos: foi criado por um pai pastor, da igreja de pentecostes, que algures no caminho o abandonou; fez parte dos Lift to Experience, banda que lançou o recomendado “The Texas-Jerusalem Crossroads” e logo depois entrou em combustão; após uma década de silêncio regressou com “Last of the Country Gentlemen”, sete canções que destilam dor por todos os poros e onde se exorciza um casamento que deu para o torto; o ar de mendigo bem vestido, a que se juntam um cabelo e uma barba que quase se entrelaçam - e lhe conferem um ar de druida louco -, fazem o resto.

Quando ouvimos “Sweeheart I Ain`t Your Christ”, tema que abriu a celebração que ontem teve lugar no Teatro Maria Matos, somos tentados a pensar que se um dia Carlos Paredes se tivesse lembrado de dedicar algum tempo à folk teria inventado qualquer coisa parecida - um louco rendilhar das cordas que se vai transformando num remoinho que nos atinge bem no centro da alma.

A sua voz, que foi de um louco trovejar a um quase inaudível sussurro, entoou um sermão que nos hipnotizou e que transformaram o Maria Matos, por uma noite, na Igreja do Santo Folk. Poucos músicos conseguem fazer com que hora e meia passem num piscar de olhos e, de certa forma, devolver a quem o escutou uma procura de fé interior, seja em deus, no amor, ou em qualquer outra coisa que funcione como uma pedra de toque para a inspiração.

Por entre as canções, verdadeiros monumentos de dor, fomos brindados com as clássicas “blowjob jokes” e “go fuck jokes” (com cabras pelo meio), com que também nos havia presenteado na edição deste ano do mexefest. “We make jokes to deal with the pain”. Ora nem mais. Esperemos que desta vez Josh T. Pearson tenha vindo para ficar.

Texto: Pedro Miguel Silva
Fotografias: Joanica Cardoso