Palco Principal – O que significa, ao certo, este “Regresso ao Futuro”?
Presto – Este “Regresso ao Futuro” tem um pouco a ver com os álbuns anteriores. Decidimos voltar ao “Edição Ilimitada” e ao “A Essência” e analisar o que fizemos em termos de estrutura e no trabalho de vozes. Depois de termos cumprido esse voltar ao passado, chegámos à conclusão que a porta já estava aberta a novas experiências. Este “Regresso ao Futuro” é uma evolução desses trabalhos. Não é um som totalmente futurista – não é isso que queremos dizer -, mas acaba por ser uma viagem entre o passado e o futuro.
PP - Este álbum foi gravado em 2012, em vésperas de completarem 20 anos de carreira. As temáticas presentes em “Regresso Ao Futuro” abordam, de alguma forma, essa celebração?
Ace – Não, de todo. Acho que nem nos passou pela cabela essa ideia dos 20 anos, quando estávamos a fazer o disco. Ele não tem uma temática base, digamos assim. Os nossos discos, no que diz respeito aos temas, são mais enquadrados com as experiências que tivemos nas nossas vidas, seja nos tempos anteriores a começarmos a escrever, sejam as mais próximas, ou as que nos marcaram mais.
Serial – Normalmente, nós não temos nenhum conceito quando partimos para os discos. Vamos fazendo músicas soltas e depois escolhemos as que estão melhores, tentando enquadrá-las no produto final. Se surge algum conceito, é depois de termos as músicas todas feitas.
PP - “É o jardim à beira mar plantado, ainda vivemos do passado...”, pode ouvir-se no tema Jardim, um dos singles do álbum. São da opinião que Portugal não vive - ou não luta - no presente?
A – O problema é que a maior parte das pessoas usa o passado de Portugal como uma desculpa para não fazer mais nada, para ficar na preguiça. Toda a gente sabe – porque nos ensinam na escola – que Portugal foi grande e fez grandes coisas no passado. E vivemos um pouco à custa disso. O nosso sentimento baseia-se nisso e no Cristiano Ronaldo. Quer dizer, quando o Cristiano Ronaldo morrer, Portugal fica sem ninguém, ficamos só com as memórias quinhentistas. O que eu acho é que essa escola toda do quinhentismo e dos descobrimentos tem coisas muito interessantes para ensinar aos portugueses – uma visão até muito futurista do mundo e de Portugal. Só que isto já ninguém sabe, já ninguém estuda, já ninguém aprofunda, já ninguém usa como desculpa. A verdade é que, nessa altura, havia portugueses com ideias muito engraçadas e muito interessantes – coisa que hoje em dia já não existe. A visão do português é sempre a de que já fomos donos de metade do mundo… Boa! E depois? O que é que fizemos com isso? O que é que retirámos disso? Todos os países a quem ensinámos as rotas marítimas estão bem – só Portugal é que não.
PP – És Onde Quero Estar é o mais recente single retirado de “Regresso ao Futuro”, no qual participa Sam the Kid. Como surgiu esta colaboração?
A – A ideia de convidar o Sam the Kid já vem de há uma década. A primeira tentativa foi em 2002, com o “Suspeitos do Costume”… No entanto, houve sempre algo que impediu a concretização dessa vontade. Neste álbum trabalhámos a coisa de outra maneira, de forma a que algumas músicas do disco guardassem espaço para convidados. Esta foi uma escolha óbvia para o Sam the Kid. Ele também não estava muito habituado à cadência deste ritmo e, como também foi um desafio para ele, foi fixe. É um grande som!
PP – Este disco fica também marcado pela contribuição de um baterista, dum teclista e de um DJ. Foi uma aposta ganha?
S – Sim, partilharam connosco o trabalho de estúdio, mas não passaram, propriamente, a fazer parte dos Mind Da Gap. Só ao vivo. No entanto, acompanham-nos pontualmente no estúdio, quando achamos que as músicas necessitam da sua contribuição. Eles são os músicos que trabalham connosco e são, por isso, os primeiros que vamos chamar neste tipo de situações.
PP – Assim sendo, visto terem mais um DJ em palco, qual passa a ser o papel do Serial nos concertos? Como são divididas as tarefas?
S – Neste momento, o que eu estou a fazer mais é lançar músicas, fazer backing vocals, ajudá-los a fazer cortes, colocar efeitos. O DJ SlimCutz está mais debruçado na parte do scratch.
Presto – O conceito era o Serial ter a MPC (sampler e sequenciador) e poder abrir e fechar pistas e alterar sequências ao vivo, enquanto o SlimCutz se ocupava do scratch. Porém, nós tivemos um problema com a nossa sala de ensaios. Perdemos imenso material numa explosão e, por isso, ainda estamos a limar tais tarefas.
PP – Cada vez mais, nas letras dos vossos temas, se denota uma mensagem positiva dirigida à camada jovem, em jeito de educação. Sentem ter essa missão para com os vossos fãs?
S – Temos a preocupação de passar uma mensagem positiva para a juventude, sim. Mas não sei se é isso que eles querem ouvir, sinceramente. Esse é, se calhar, um dos problemas que nós temos. Seria muito mais fácil se eles [Ace e Presto] dissessem umas bacoradas ou umas asneiras, ou se falassem de gajas e ganzas. Acho muito mais fácil ter um feedback da juventude quando isso acontece.
P – Eu não diria que é uma preocupação. Prende-se com o facto de nós já termos amadurecido, de já termos passado por fases em que dizíamos essas coisas nas nossas músicas, na medida em que era isso que estávamos a viver e era isso que queríamos transmitir. Mas depois deixou de fazer sentido dizer esse tipo de coisas, mas sim outras mais maduras e mais conscientes, um pouco mais informadas. Não é propriamente uma preocupação…
A – Acho que também tem a ver com o facto de já estarmos um pouco distanciados, em termos etários, da grande parte dos praticantes de rap em Portugal. Não foi algo pensado – nunca decidimos que iríamos começar a escrever letras mais conscientes. Simplesmente saiu. Apesar de não haver uma preocupação consciente de fazer músicas com uma mensagem específica, existe, isso sim, uma grande vontade de aproveitarmos bem a oportunidade que temos de falar com muita gente e de não desperdiçarmos essa mesma oportunidade com coisas que não façam sentido para nós, só para termos mais sucesso.
PP – Não sentem qualquer saudade, portanto, dos temas crus que faziam numa fase mais precoce da vossa carreira… Temas como Forças de Combate, Cavaleiros do Apocalipse, Falsos Amigos, És como um Don…
A – Não tenho saudade, até porque o sítio onde nos encontramos hoje é uma evolução disso. Entre o nosso público, há quem pense que foi uma evolução no bom sentido e há quem pense que foi no mau sentido. E depois há os que pensam que não mudou nada. Mas eu ouço essas músicas e consigo sentir aquele estado de espírito, porque sou eu que estou lá, apesar de alguns anos mais novo. Sinto-as se as tocar ao vivo exatamente como se fosse a primeira vez que as estivesse a tocar.
P – Essas músicas valorizam-se mais por não as termos tentado repetir exaustivamente…
A – É frequente ouvir as pessoas dizerem que gostavam muito de Mind Da Gap no tempo do “Sem Cerimónias”. Ouvimos isso quase todos os dias. É fixe, por um lado, mas por outro pensamos: “Então o que é que andámos a fazer estes anos todos depois do ‘Sem Cerimónias?'. O que essas pessoas não percebem é que, se nós tivéssemos tentado aproveitar aquilo como uma espécie de receita para o que fazemos, tinha perdido todo o seu significado, porque deixava de ser o disco especial que marcou toda uma época no hip hop e se tornou um marco inegável. Em vez de ser especial, seria apenas mais um.
PP – Apesar da celebração dos vossos 20 anos de carreira não estar explícita em “Regresso ao Futuro”, suponho que queiram comemoral tal marco. Que novidades alusivas a esta meta podemos esperar dos Mind da Gap?
A – A ideia é, entre outras coisas, fazer uma box e tentar reunir algum material inédito, seja em vídeo ou audio. Está na mesa a edição de um vinil, mas não se sabe se é de algum conjunto de músicas, se é de algum álbum em especial, se do último… Ainda não está definido. O ideal para nós seria celebrar os 20 anos a tocar muito. Não somos aqueles artistas de topo, mas também não estamos em saldos. Estamos numa localização um pouco delicada. Mas seria fixe aproveitar esta celebração dos 20 anos para fazer um espetáculo dedicado à temática, uma espécie de antologia, transportá-lo para a estrada e dar muitos concertos.
PP – Um documentário sobre os Mind da Gap seria interessante, não?
A – Sim, seria engraçado. Se fosse algo bem filmado e bem produzido, seria interessante - não algo feito por um amigo com uma câmara de filmar casamentos. Até seria fixe termos um patrocínio do Ministério da Cultura ou assim [risos].
P – Acho que, se alguém quisesse fazer isso, já ia ter pelo menos várias fases para documentar e coisas diferentes para mostrar. É uma ideia engraçada, mas é algo que não nos passa pela cabeça no dia-a-dia. Não pensamos nisso. Pensamos em fazer música, gravar álbuns e dar concertos. Este ano é que vamos tomar consciência que já se passaram, efetivamente, 20 anos.
PP – O Ace já teve oportunidade de se expressar a solo, através do álbum “IntensaMENTE”. Há outros projetos a solo no seio do grupo em vias de edição? Talvez do Presto?
P – Não sei. Sempre gostei de fazer música com eles. Foi com eles que comecei e foi com eles que aprendi. Nunca levei muito a sério o tentar fazer algo a solo. Até porque, fora da música, disperso as minhas energias para outras atividades, nomeadamente o design gráfico e, mais recentemente, o trabalho com bicicletas. Não quer dizer, no entanto, que esteja fora da equação fazer algo a solo.
PP – Teremos mais 20 anos de Mind Da Gap?
A – Se tivermos os três vivos daqui a 20 anos, espero que sim! Podemos sempre fazer um concerto de celebração dos 40 anos… Agora está na moda as pessoas reunirem-se para festejarem décadas de uma carreira que não existiu. Podemos sempre fazer isso. É engraçado pensar nisso, é curioso. Se calhar, se tivéssemos parado no “Edição Ilimitada”, ou antes disso, agora dávamos concertos de 20 anos de carreira e tínhamos salas cheias. E isto acaba por ter também a ver com aquilo que falámos há pouco, dos portugueses viverem sempre agarrados ao passado. Mas adiante. Espero que sim, que tenhamos mais 20 anos de Mind Da Gap. Quanto mais não seja para fazermos um concerto para meia dúzia de gatos pingados e curtirmos a nossa cena, velhinhos e em cadeiras de rodas.
Manuel Rodrigues
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