O músico de 40 anos, natural de Oakland, no estado americano da Califórnia, conseguiu despertar a atenção da Blue Note logo após o seu primeiro álbum, tendo lançado, em 2011, o seu segundo disco a solo, intitulado "When the Heart Emerges Glistening", já com a chancela da mais influente editora de jazz do século XX, por onde passaram nomes como Miles Davis e John Coltrane.

Tudo aconteceu num momento em que a editora trilhava um caminho de aposta em novos artistas e não viver apenas das reedições dos grandes nomes do jazz dos anos 50, 60 e 70, que lhe deram a reputação que ainda tem hoje.

"No início senti a pressão. Era um dos primeiros na minha geração a assinar com uma grande editora. Senti que, se não corresse bem, estaria a destruir oportunidades para outros e para a geração futura", conta à agência Lusa o músico que vai atuar no Seixal e em Coimbra, a 21 e 22 de outubro, respetivamente.

"Se não funcionasse iam dizer: 'Tentámos com o Ambrose, mas os álbuns não venderam. Os jovens não funcionam e, por isso, vamos continuar a editar o 'Kind of Blue' [álbum de Miles Davis lançado em 1959]",afirma Ambrose, sublinhando que, apesar de ter sentido essa pressão de representar uma nova geração, nada mudou na sua relação com a música ou na sua forma de compor.

Cinco álbuns depois editados pela Blue Note, Ambrose Akinmusire sente que é o momento de sair daquela editora e abraçar novos desafios sob a chancela da nova iorquina Nonesuch, por querer ir para lá do jazz, numa carreira onde já colaborou com artistas tão distintos como Kendrick Lamar, Brad Mehldau e Joni Mitchell.

“Queria mais espaço. Eu não sou um trompetista de jazz. É por isso que as pessoas me conhecem e eu consigo fazer o papel do trompetista de jazz, mas nunca foi 100% confortável para mim. Quero espaço para fazer outras coisas”, disse à agência Lusa Ambrose Akinmusire.

Apesar de estar tão relacionado com o jazz (os concertos que dá em Portugal são no âmbito de festivais que têm como foco esse género musical), o artista norte-americano não se vê como músico de jazz – tanto gosta de Bach, como do rapper Nas ou do cantor de blues Leadbelly.

“Eu sinto-me como um músico de jazz, como um artista de hip-hop, como um ‘bluesman’, como um compositor clássico, como alguém que compreende e gosta de música da África Ocidental ou que também adora música escandinava”, vinca.

Nesse sentido, ao longo dos últimos dez anos em que esteve ligado à Blue Note, quis lançar bandas sonoras, álbuns “se calhar sem trompete” (no último álbum, troca em duas faixas aquele instrumento pelo teclado Fender Rhodes) ou discos de hip-hop ou de funk.

“Já pensei fazer cada uma dessas coisas nos últimos dez anos, mas a Blue Note é uma editora de jazz e até pode ser difícil para eles perceberem porque é que quero fazer isso. E quero isso porque é apenas quem eu sou – toco com o Kendrick Lamar, com a Joni Mitchell ou com o Archie Shepp. É quem eu sou. Toco todas essas coisas e sinto-me em casa em todas elas”, diz o músico, que regressa a Portugal, depois de já ter vindo várias vezes, a primeira quando tinha apenas 19 anos, no conjunto liderado por Steve Coleman.

Consigo, traz também o último álbum, lançado em 2020, intitulado “On the Tender Spot of Every Calloused Moment”, o seu trabalho “mais acústico” e direto, sem trabalho de “pós-composição”.

Ambrose Akinmusire, que tem uma relação especial com a poesia – a sua mulher é poeta -, fala do título como um verso de um poema.

“Espero que, tal como a minha música, possa crescer e mudar com o tempo”, refere, considerando que o ‘tender spot’ (ponto macio) de todos os momentos calejados a que se refere no nome do álbum remete para o blues.

“A palavra-chave é o calejado, que implica que tenha havido alguma dor, mas no meio há um ponto suave. Para mim, este álbum é um álbum de blues. Quando se canta: ‘Oh! A minha mulher deixou-me/ Oh! A minha mulher deixou-me / Mas eu vou encontrar uma nova mulher’ – é aí, nessa frase final, que está o ponto suave. Acho que é isso que faz o blues”, explica.

Ambrose Akinmusire não faz distinções entre jazz, hip-hop ou blues, aliás considera que todas essas linguagens musicais são “a mesma coisa”.

“Foi o som do jazz de fusão que se transformou em hip-hop. E o que era a fusão antes disso? O que estavam a fazer antes de fazer fusão? Herbie Hancock ou Wayne Shorter estavam a tocar com o Miles, com o Coltrane. Portanto, hip-hop é apenas um novo desenvolvimento do jazz. O hip-hop faz a mesma coisa que o jazz, que é contar a história de uma comunidade que normalmente não tem voz. Blues, jazz, hip-hop não estão ligados. São a mesma coisa”, frisa.

Daí que para o músico norte-americano é fácil pegar no trabalho de um rapper como Kendrick Lamar e mostrar “como está relacionado com o Clifford Brown ou o Louis Armstrong”.

“O jazz é relevante e é música de agora. Não é de ontem, nem é do futuro”, aponta o músico, que se apresenta em formato de quarteto no SeixalJazz, a 21 de outubro, e, no dia seguinte, no festival Jazz ao Centro, em Coimbra.