“Eu percebi que o que eu precisava está aqui – na rua –, é o público, o olhar, as pessoas, quem gosta, quem não gosta. Tem gente que passa e fica apaixonada, tem gente que se senta, também tem gente que passa e diz volta para a tua terra. Ouvimos de tudo. Eu como intérprete, eu necessitava disso, de um bocado desse teatro que é a rua”, conta Galdino Gal, 35 anos, brasileiro, três filhos e a viver em Portugal há 18 anos.
De pés descalços em cima de uma espécie de tapete mágico do Ali Babá e os 40 ladrões, uma guitarra na mão, um microfone e amplificador, Gal toca e interpreta música popular brasileira há quatro anos na Ribeira do Porto. Conta que consegue tirar rendimento para alimentar a família “Eu tenho três filhos e sustento-os com música. É possível, diz o artista, assumindo que quando o dia rende pouco a culpa é dele próprio.
A remuneração é maior no dia em que está “mais emocionado e de bem com a vida e com a cabeça fresca”, confessa, explicando que decidiu vir para Portugal há 18 anos “por causa do idioma”. “A poesia fascina-me, a palavra, a forma como a palavra portuguesa é dita e eu adoro e tenho várias influências (…) como [Fernando] Pessoa ou Florbela Espanca, entre outros poetas…”.
Galdino Gal afirma que nos últimos tempos influenciou muitos camaradas a vir para rua e que antes apenas tocavam em bares e hotéis. “Tem muita gente a tocar na rua agora, acho que deixaram o tabu”, referiu.
O músico brasileiro, que entra no batente às 11:00 e sai por volta da meia-noite, deixa um conselho a quem quer tocar e não tem onde: “Que os músicos se deixem de frescura e venham para a rua cantar, porque não é nada depreciativo”.
O violinista Vladimir Omeltchenco, 50 anos, é um “explorador” do mundo e apaixonou-se pelo “paraíso” do clima português e pelo “povo acolhedor”. Há quase cinco anos que canta e encanta na Rua de Santa Catarina, a artéria das lojas do Porto onde diariamente há milhares de turistas a passear e a ouvir os clássicos tocados por aquele músico russo.
“A rua traz outras experiências, além da monetária”, assume Vladimir, recordando as felicitações de turistas estrangeiros e portugueses que ouvem a sua música na rua e se sentem “bem recebidos” no Porto. “É fascinante. Acontecem coisas muito lindas”.
Músico de formação académica tem um reportório composto de música clássica, romântica e barroca, mas também toca alguns temas de filmes e de folclore português e internacional, Vladimir Omeltchenco assume que nos últimos tempos a cidade do Porto tem recebido muitos mais músicos de qualidade.
Segundo o violinista russo, que além da rua, também toca em festas de empresas, casamentos ou Passagens de Ano, admite que há mais músicos nas ruas do Porto porque estão a perder a “falsa vergonha” e estão “dispostos a expor a sua arte”.
André Carneiro, 22 anos, é portuense e expressa a arte e ganha dinheiro a tocar na rua vai para quatro anos. À agência Lusa, o jovem músico confessa que o objetivo é tocar em muitas outras ruas pelo mundo fora, mas para já assenta arraiais numa das pontas da Rua de Santa Catarina e s seu público, principalmente o feminino, derrete de paixão quando ouve o seu ‘cover’ do ‘Blower´s Daughters’, do Damien Rice.
André, que toca um “folk um bocado intimista”, como define o próprio, diz que se juntar o dinheiro dos concertos em cafés e bares e o dos espetáculos na rua consegue sustentar-se.
O jovem músico, confesso autodidata, porque “nunca teve possibilidades para estudar música”, acha que há poucos músicos portuenses a tocar na rua e que as razões se prendem com a vergonha, mas aconselha os artistas a despirem-se desse ‘tabu’, porque a rua é “um ensaio”, é uma forma de “treinar” e de perder a vergonha”.
André faz originais e toca-os na rua, mas tem também de se socorrer de ‘hits’ de outros artistas consagrados, porque senão “não ganhava dinheiro nenhum”, admite.
Há também famílias de romenos a tocar no Porto. A Lusa conseguiu falar com Tudo Macules, 67 anos, que tocava simbal na Ribeira, bem junto ao Rio Douro, debaixo de um guarda-sol de praia, e que diz que apenas consegue fazer 10 euros por dia. A morar em Gaia, o romeno conta que está a tocar nas ruas do Porto há cerca de um ano, cidade eleita para o seu filho, guitarrista, também adotar para expressar a sua arte.
@Lusa
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