Segundo o vocalista da banda, Nuno Rodrigues, em declarações à Lusa, o título do álbum “vem de uma referência direta ao ‘American Gothic’, Gótico Americano, género literário e artístico, por assim dizer, que tem que ver com fenómenos de bizarria e aquilo que acontece na margem, onde o estrato do Estado não é tão presente nem tão vincado e as coisas operam de um modo mais estranho, e em que há uma fluidez entre as soluções práticas e as metafísicas”.

“Encontramos muito disso na margem em Portugal. Encontramos Santos Populares, barristas que fazem figurado imaginário, como a Rosa Ramalho, e sobretudo populações onde a carência de meios não as impediu de encontrar soluções, sejam elas materiais ou metafísicas, para as suas vidas, das bênçãos da Alexandrina Salazar, uma santa popular, até às bandas DIY [Do It Yourself] que se formam nas pequenas cidades e que misturam estas identidades”, disse.

Para Nuno Rodrigues trata-se de um “imaginário muito rico e muito bizarro, nalguns sentidos, um espaço mental e estético que só existe fora dos grandes centros, num Portugal que tem que se reinventar, todos os dias”.

É desse Portugal que vêm os Glockenwise, banda minhota criada em 2006 por um grupo de quatro adolescentes, que não sabiam tocar ou cantar.

“Começámos a fazer música para querer sair de Barcelos e alcançar coisas que achávamos que não seria possível, recordou Nuno Rodrigues.

Em 2009 editaram o EP de estreia e dois anos depois o primeiro álbum, “Building Waves”. Seguiram-se “Leeches” (2013), “Heat” (2015) e “Plástico” (2018).

Ao longo dos anos foram começando a sentir “o peso da centralidade”: “Tens um disco, tens de ir a Lisboa dar entrevistas e concertos, os nossos empregos dependem de estarmos no Porto ou numa cidade grande. Começamos a perceber o quão limitante isso é em formas de expressão. Na margem encontramos formas de resiliência, de arregaçar as mangas, que olhamos com algum carinho, porque foi por isso que nós acontecemos. [Foi] dessa vontade de superar alguns limites à partida impostos que saímos de Barcelos”.

Nuno Rodrigues fala de empregos, porque nenhum dos elementos da banda consegue viver apenas da música que faz. “É completamente um ‘labour of love’ [trabalho de amor, em português]. Encaramos sempre isto como a nossa namorada mais antiga, porque estamos com ela desde os 15/16 anos. É assumido com a responsabilidade e a seriedade que um trabalho tem, mas apenas porque é fundamental para a nossa identidade e para o nosso bem-estar”, contou.

A identidade dos Glockenwise é algo muito presente em “Gótico Português”. “É um disco sobre essa nossa identidade, de quem está na meia distância, com um pé na margem e outro no centro, muitas vezes sem saber bem aonde é que se pertence”, disse.

De todos os álbuns já editados, este “é o que está mais preocupado em fazer um exercício de reflexão e de autoavaliação, de procura de identidade e de apreciação desta outra identidade que existe para lá” da banda e de onde ela vem. Identidade essa que “é formativa, inspiradora e dinâmica”.

“Isso força-nos a tentar perceber, depois de muito tempo a relegar para lugares menos importantes, a real importância desse espaço”, afirmou.

A identidade destes “miúdos minhotos”, já nos 30 anos, traduz-se no álbum “liricamente e esteticamente, ao nível visual”, mas não em termos sonoros.

“Somos uma banda de ‘art rock’, ‘pop rock’, ‘garage rock’, como lhe quiserem chamar, e exploramos outras texturas desse tipo de sonoridades, influenciadas por este lirismo. Aí também o ‘gothic’. Eu diria que há mais uma influência direta das linguagens do rock gótico de décadas passadas do que uma influência direta da música tradicional portuguesa, que é algo que não é o nosso lugar estético, nem pretendemos que seja, nem achamos que seja necessário usar isso para se poder falar de Portugal”, afirmou.

“Gótico Português” inclui oito temas e três pedaços de uma entrevista “maravilhosa” da ceramista Rosa Ramalho, barcelense e um “ícone óbvio” que a banda “tinha de abordar” neste álbum.

A entrevista, “que deita por terra perspetivas do que é o português provinciano e o que é que ele procura, ou precisa”, encontraram-na nos arquivos online da RTP.

“Temos ideia da terrinha e das pessoas que adoram a terrinha e temos a Rosa Ramalho a dizer que adora Lisboa e que se pudesse morava em Lisboa, mas em Lisboa não dá para fazer barro. Também contesta o galo de Barcelos, diz que acha mais bonito o criado por Picasso do que o galo de Barcelos. Tem tudo que ver connosco, com esta maneira de poder olhar criticamente para aquilo que somos e o que nos formou”, referiu Nuno Rodrigues.

As letras de “Gótico Português” são todas da autoria do vocalista, à exceção de “Água morrente”, um poema do poeta simbolista Camilo Pessanha, que a banda achou que “seria adequado para este disco, que está cheio de símbolos e de semiótica”.

Este é o primeiro álbum da banda em edição de autor. “Nesta fase achámos interessante podermos ser nós a lançar o disco, porque hoje é muito mais fácil para os artistas poderem fazer as suas próprias edições”, disse Nuno Rodrigues.

Embora seja uma edição de autor, o álbum sai com o selo da Vida Vã, editora criada pelos elementos dos Glockenwise.

“Não é algo a que queiramos dar muito ênfase, porque não estamos a assumir como um projeto editorial muito sério. A ideia foi ‘já que estamos a ser nós a lançar o disco, porque não aproveitar e dar-lhe uma espécie de selo, que possamos eventualmente mais tarde aproveitar para lançar outras coisas?’. Pode ou não acontecer, mas achamos que seria interessante poder criar esta entidade para acolher e dar o selo ao disco”, explicou.

Os concertos de apresentação de “Gótico Português” estão marcados para 12 de maio em Lisboa, na Culturgest, e 20 de maio em Braga, no gnration.

Entretanto, a banda tem concertos marcados no sábado no Courage Club, em Guimarães, no dia 24 de março no Carmo 81, em Viseu, em 25 de março no Gretua, em Aveiro, e a 1 de julho no Plano B, no Porto.