E antes da história, uma ressalva, que é contexto: «Não é possível isolar enquanto expressão cultural a música de um conjunto de expressões mais variado e muito vasto, onde a influência do partido, desde o cinema até à literatura, nalguns aspetos terá até sido superior», lembra o militante comunista Ruben de Carvalho.

A música, por depender mais, «quer do domínio do capital, quer do domínio da indústria, e dos meios de comunicação, era mais controlada pelo fascismo».

Posto isto «no cenário de 90 anos que modificaram completamente a música», partimos dos anos de 1920, quando Portugal já ouvia cantar a Internacional comunista. Neste primeiro período de vida do partido, fundado em 1921, «o universo sonoro dos militantes é o popular, por um lado, e a canção revolucionária, por outro», que chegava primeiro de França, depois da Espanha.

E popular aqui é o fado, que, lembra o investigador João Madeira, do Instituto de História Contemporânea, «corresponde, até ao final dos anos 1930, a um fado musicalmente pobre, com letras ajustadas à propaganda». «Este fado é o fado da propaganda republicana, é o fado dos anarquistas, um veículo de política através da cultura», diz.

E é o mesmo fado de que o regime de Salazar, pelas mãos dos modernistas como António Ferro, se apropria para dar som ao fascismo: «Os modernistas têm uma perceção muito clara da capacidade mobilizadora que esta expressão de música popular urbana pode ter e utilizam-na», explica Ruben de Carvalho. «Nos anos de 1940 entramos num novo período. O partido é objeto da sua reorganização no princípio da década, e uma das frentes onde atua largamente é a frente cultural», acrescenta.

Aqui, destaca, é fundamental o papel de Fernando Lopes Graça: «Sendo um militante comunista, é um homem que se empenha politicamente e que tem o desejo de fazer da música um fator de intervenção na atividade política; é um homem musicalmente muito influenciado pelas escolas europeias, um defensor da música tradicional e rural, de composição anónima, transmissão oral; e utiliza a música como elemento de intervenção em termos corais».

Até aos anos de 1960, «a influência do partido nas associações de estudantes torna-se determinante». A contestação ao regime agudiza-se, a sociedade é outra, lembra João Madeira: «Dão-se nesta época grandes transformações na sociedade, as universidades recebem muitos estudantes, o tradicional fado de Coimbra transforma-se numa nova canção, musicalmente mais rica, onde o fator de intervenção é muito forte».

É tempo dos acordes de Zeca Afonso, de Luís Cília, de José Mário Branco, de Adriano Correia de Oliveira. E é, acrescenta Ruben de Carvalho, «o tempo do Zip Zip, onde a canção de intervenção ganha um estatuto e uma capacidade de amplificação que ela nunca tinha tido, e o tempo do festival da Eurovisão».

E depois, vai a década de 1970 quase a meio, é tempo de revolução, «que começa com música, como em mais nenhuma parte do mundo». «Grândola, vila morena», canta o Zeca. «E depois do adeus», canta Paulo de Carvalho.

Mas aqui, é claro, «não há nenhuma influência direta do partido». Há apenas «a cantiga, arma de pontaria», que o Grupo de Ação Cultural há-de cantar pelo país durante o ano quente de 1975.

SAPO/Lusa