O pianista Tiago Sousa inicia hoje, no Porto, uma série de concertos nos quais revisita a série “Organic Music Tapes”, cujo terceiro volume editou recentemente e que resultou de um processo criativo no qual o órgão foi ganhando preponderância.

Em dezembro, o músico e compositor editou “Organic Music Tapes Vol.3”, pela Sucata Tapes da editora Discrepant, fundada em 2011 em Londres pelo músico e produtor português Gonçalo F. Cardoso.

Este é o terceiro trabalho, de uma série sem número ainda fechado de volumes, que Tiago Sousa foi desafiado a criar pela editora, tendo-lhe sido sugerido que usasse material que pudesse ter na gaveta, mais experimental, “que não tivesse a mesma preocupação estética que os álbuns” que tinha editado até então.

A série, editada em cassete, é resultado, contou Tiago Sousa à Lusa, por um lado do “‘input’ dado pela editora, no sentido de criar um formato um bocadinho mais descontraído, que possibilitava explorar artisticamente uma forma menos comprometida”, e, por outro lado, de uma preocupação de Tiago Sousa com “a mecanização do mundo, a robotização, Inteligência Artificial, o fim da Arte, o fim do Trabalho, todas estas questões políticas e sociais”.

“E depois, há o confronto disso tudo com o meu processo criativo e a minha necessidade de encontrar uma voz própria e um processo de composição que eu possa chamar meu, e não seja só seguir uma escola ou um determinado preceito”, disse.

No primeiro volume de “Organic Music Tapes”, o músico sente que “ainda existem alguns resquícios” do álbum que tinha editado anteriormente.

“Ainda existia uma certa visão da música contemporânea e uma certa procura pela exploração, pela desconstrução do tonalismo, e aos poucos a vertente foi-se virando mais para processos de composição que estão mais ligados ao minimalismo americano, [dos músicos e compositores] Terry Riley, Steve Reich ou Phillip Glass, do início, dos anos 1960. A repetição, o loop, e, no caso do Terry Riley, também a improvisação. Aos poucos isto foi ganhando cada vez um contorno mais presente. E é o que eu sinto que o segundo e o terceiro volume sobretudo vêm afirmar de uma forma mais clara”, referiu Tiago Sousa.

O órgão, “instrumento que tem potencialidades sónicas que o piano não tem”, foi “ganhando uma certa preponderância” nesta série de álbuns, “quer o elétrico, no segundo volume, quer o de tubos, no terceiro volume”.

“Eles próprios vão abrindo outras possibilidades de escrita pianística, que não estavam presentes então”, salientou.

O músico sente que “a ideia de música orgânica transformou bastante esteticamente” o seu trabalho e que “de certa forma vai deixar um lastro que vai contaminar os álbuns futuros, sejam eles dedicados a este tema ou tenham outras temáticas incluídas”.

O terceiro volume das “Organic Music Tapes” inclui uma peça gravada num órgão de tubos, com mais de 200 anos, da igreja de Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, onde o músico vive.

Essa peça “não vai ser possível replicar” nos concertos que hoje começam, “porque vive muito do órgão e do edifício da igreja”, mas no dia 18 de fevereiro Tiago Sousa atua, pelas 18:00, na igreja de Nossa Senhora do Rosário.

No concerto de hoje no Porto, na Casa da Música, de sexta-feira na Guarda, no Teatro Municipal, e de sábado em Lisboa, na sala Lisa, vai aproveitar para “ir desvendado” algumas coisas que anda a preparar para álbuns que já tem pensados e que “têm estado a ser gravados e trabalhados”.

“E também vou revisitar este processo nos seus diferentes momentos, tocar algumas peças que fazem parte do primeiro volume, outras que fazem parte do segundo e peças que fazem parte deste terceiro volume”, revelou.

O processo criativo que deu origem às “Organic Music Tapes”, irá refletir-se nos concertos, “porque as próprias peças, pelo seu caráter improvisativo e pela sua espontaneidade, vão sempre sendo transformadas ao longo do tempo”.

“Em cada performance a peça é como que reinventada e reconstruída, porque este efeito do público, da sala, da amplificação do som, tudo isso acaba por influenciar muito também a forma como as peças são apresentadas”, disse.