Por cá, assistia-se ao grande boom do rock português, com Rui Veloso, Xutos & Pontapés, Heróis do Mar e GNR a assumirem o papel de protagonistas, e com os Sétima Legião de Rodrigo leão, Pedro Oliveira e Nuno Cruz, aos quais se juntaram, posteriormente, Gabriel Gomes, Paulo Marinho, Ricardo Camacho, Paulo Abelho e Francisco Menezes, a darem os primeiros passos nas lides da música, com uma postura vanguardista que só eles.
Trinta anos passados, mantém-se o poderio de Rui Veloso, Xutos & Pontapés e GNR, reedita-se a discografia dos entretanto extintos Heróis do Mar e comemora-se o 30º aniversário de carreira e o regresso aos grandes palcos dos Sétima Legião - estão previstas dez atuações, de Norte a Sul do país, com o pontapé de saída a ser dado já no próximo dia 29 de abril, na Casa da Música, no Porto.
E, claro, assiste-se, com orgulho, ao contributo e influência de todos eles no atual panorama musical português. Foi sobre este que falámos, na segunda casa dos Sétima Legião – o Frágil, no Bairro Alto – com Rodrigo Leão e Ricardo Camacho, numa conversa aberta, onde memórias foram revisitadas, o presente foi celebrado e o futuro ganhou a forma de ponto de interrogação. A conferir aqui.
Palco Principal - Assumiram-se, formalmente, enquanto grupo na Grande Noite do Rock, há precisamente 30 anos. Que memórias guardam do início da vossacarreira?
Ricardo Camacho – Há 30 anos atrás...quando eu era bonito…[risos]
Rodrigo Leão – Há 30 anos, quando eu estava com o Pedro Oliveira e com o Nuno Cruz, e tivemos, em determinada altura, que dar um nome ao grupo, pois tínhamos entrado num concurso de música moderna - a Grande Noite do Rock -, nóstínhamos, apenas,a preocupação de querer tocar. Não pensávamos em mais nada! Eu era muito otimista, o Pedro era mais negativo, mas ambos só queríamos começar a tocar. O nosso sonho era conseguir gravar e editar as nossas músicas. O Ricardo entrou pouco tempo depois para produzir o primeiro single, Glória, com letra de Miguel Esteves Cardoso, que viria a ser gravado em 1983 e produzido pela Fundação Atlântica - uma editora, na altura, de Ricardo Camacho, Miguel Esteves Cardoso e Pedro Ayres Magalhães. Já passaram 30 anos, mas, a mim, parece que foi no outro dia que começámos, até porque há coisas que ainda se mantêm. Continua a existir um enorme entusiasmo no seio do grupo, tal como quando começámos, e isso sente-se quando vamos para uma sala de ensaios e nos dá prazer tocar aquelas músicas.
PP - O sucesso chegou de imediato, primeiro com Glória, logo depois com Sete Mares e com a célebre Por quem eu não esqueci. Apanhou-vos de surpresa?
RC – O Rodrigo sempre achou que iria ter sucesso [risos]. Os pessimistas e deprimidos como eu e como o Pedro achávamos que iríamos ser muito bons, mas nunca mais do que isso. Eu, como amante de fotografia, vejo estes 30 anos como uma espécie de flash. No início, recordo-me de os ver no Rock Rendez Vous e pensar: "Esta é a banda que temos de gravar". Lembro-me de ir à sala de ensaios, que ficava numa subcave da Avenida de Roma, de levar a minha filha com três anos de idade e de a sentar em cima do único amplificador existente,onde se ligavam todos os instrumentos do grupo. Depois lembro-me do primeiro concerto, também no Rock Rendez Vous, quando o Gabriel [Gomes] entrou com o acordeão, e de pensaro que era aquilo e no que aquilo ia dar. São estes os flashes que surgem na minha memória. Ah, também me lembro de gravarmos e misturarmos um álbum inteiro em dois dias, porque não havia dinheiro para mais. E, por incrível que pareça, atualmente não alterava nada do que foi gravado.
PP - Mas alteravam alguma coisa no rumo que a carreira dos Sétima Legião tomou?
RC – É provável. Nós somos muito autocríticos. Se voltássemos atrás, haveria coisas que podíamos fazer melhor, com certeza.
RL – Talvez meia dúzia de canções que não tenham ficado tão bem quanto queríamos, mas parece-me que isso também faz parte. Não procuramos a perfeição e vivemos bem com todo este processo. No geral, penso que não nos arrependemos de nada. Só pontualmente.
RC – Penso que as canções que não resultaram bem foram naturalmente esquecidas pelas pessoas e também pela banda. Nem pensamos tocá-las ao vivo. Fazem parte de um processo. Contudo, por vezes olhamos para trás e questionamo-nos como é que fizemos aquilo [risos].
PP - Por oposição,tambémsouberam criarcanções imortais, que ainda hoje são trauteadas aqui e ali, mesmo pelas gerações mais recentes. Qual o ingrediente secreto de temas como Por quem não esqueci?
RC – Penso que é a sua atualidade. Acho que a nossa música mantém-se atual, tal como a música de outros grupos estrangeiros do nosso tempo, que ainda hoje continua atual. Mas issonão é, necessariamente, positivo- pode significar que a música em geralnão evoluiu assim tanto como deveria. E há muitos fatores para isso, a culpa não é dos músicos. Com o acesso generalizado à Internet e aos downloads gratuitos, tornou-se pouco rentável para uma editora editar um disco, logo, grava-se muito menos. E quais são os grupos que elas pretendem gravar? Aqueles que, à partida, têm sucesso garantido. Portanto, não arriscam em bandas novas. Se calhar há música excelente a ser feita em certos sítios, mas não temos acesso a ela. Os Sétima Legião sempre quiseram estar à frente da sonoridade que se fazia na altura. Sempre adorei ser surpreendido por coisas novas. Hoje em dia, sou muito pouco surpreendido.
PP - É pouco inovadora a música feita em Portugal atualmente?
RC – Tem-se feito muito boa música em Portugal. Não sou surpreendido porque a música já explorou tantas linguagens diferentes nos últimos 40 anos e eu ouvi tanta música - milhares, milhões de horas de música - que se torna difícil ser surpreendido, mas não o digo num sentido pejorativo.
RL – Penso que a última corrente musical que mais me inspirou foi o início dos anos 80, com os New Order, os Joy Division. A partir daí, é claro que têm aparecido muitas outras coisas de que gosto, mas foi, de facto, nos anos 80 que senti um maior entusiasmo musical.
PP - Hoje é mais fácil ou mais difícil vingar no mundo da música?
RL – É diferente. Por um lado, pode ser mais fácil, porque há um maior acesso à tecnologia. Nos tempos que correm, pode gravar-se um disco praticamente em casa, com um computador, uma guitarra e um sintetizador. Mas, por outro lado, é mais difícil encontrar uma editora que faça um trabalho com pés e cabeça e que faça a promoção devida. O mais certo é que fiquem por aí perdidos...
RC – Quando começámos a tocar, a etapa decisiva era a entrada para o estúdio de gravação. Hoje, a etapa decisiva é a rede de distribuição, ou seja, como conseguir levar o produto a toda a gente. Acho que ainda hoje não se conseguiu descobrir a fórmula ideal para utilizar a Internet nesse sentido.
PP - Já influenciaram, artisticamente, muitas bandas. Já viram outras tantas a reinterpretar os vossos temas. Não vos faltam motivos de orgulho...
RC – É muito engraçado ver que as nossas canções chegaram a um patamar tal, que são interpretadas por outras pessoas. E é muito agradável ouvi-las.
RL – Sim, até porque são canções que, por mais que gostemos delas ainda hoje, não sabíamos, na altura em que as compusemos, qual seria o seu tempo de duração. Ninguém sabe quanto tempo dura uma canção. Ninguém consegue imaginarse daqui a 20 ou 30 anos uma música ainda é ouvida ou se caiu no esquecimento. De facto, temos grandes motivos de orgulho.
RC – E o facto de influenciarmos outras bandas também é um motivo de enorme orgulho. Nunca diria que o fazemos, porque seria pretensioso da minha parte, mas, se alguém o diz, é diferente. É muito agradável.
PP - A Casa da Música recebe, no próximo dia 28 de abril, o primeiro concerto da digressão comemorativa dos 30 anos de carreira dos Sétima Legião. Já háalguns anos que não pisam um palco enquanto Sétima Legião, com exceção do palco do Frágil, onde se reúnemquase todos os anospara uma atuação intimista. Como surgiu a ideia do regresso aos palcos?
RC – O regresso aos palcos deve-se - e muito - à grande energia do Rodrigo. Ele queria muito fazer isto. Até há algum tempo atrás, debateu-se imenso para que isto se concretizasse e tudo acabou por se conjugar. Já eu decidi que a minha vida iria mudar radicalmente este ano: a medicina ficará, lentamente, para trás, e vou apostar mais na música.
RL – Nós nunca perdemos o contacto e ao longo dos anos, para além de termos colaborado em projetos paralelos que os próprios Sétima Legião criaram, sempre mantivemos esta grande amizade que nos une. E já tínhamos falado por várias vezes deste nosso interesse em fazer uns concertos em espaços maiores do que o Frágil.
PP - Que surpresas estão a ser preparadas para estes espetáculos tão especiais?
RC – Se calhar, o público vai ver-nos a tocar bem [risos], pois nós não éramos, propriamente, uma banda que fosse particularmente rigorosa nos concertos. Estamos a preparar isto tudo tão bem como nunca antes o fizemos.
RL – Será uma surpresa se conseguirmos tocar exatamente com o mesmo som com que tocávamos há 30 anos atrás. A ideia é manter a mesma sonoridade, sem adaptar nada do que fazíamos para os dias de hoje.
PP - Ainda no âmbito das comemorações do 30º aniversário de carreira dos Sétima Legião, serão reeditados todos os álbuns do coletivo. A gravação de um novo álbum de originais está fora de questão?
RL – Há sempre essa hipótese...
RC – Nunca fechámos as portas a esse tipo de coisas, mas também não podemos dizer já que sim, que vamos gravar um novo álbum de originais. Se calhar, um bom símbolo para nós é o ponto de interrogação [risos].
Ana Cláudia Silva
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