Herdeiros da pop sentimental dos The Cure, os Shout Out Louds visitaram ontem à noite o Santiago Alquimista para um concerto que, a julgar pelo número de espectadores, poderia pensar tratar-se de uma festa privada em celebração do aniversário de alguém mais abonado que, por capricho e para deleite pessoal e dos amigos mais chegados, tivesse mandado vir a banda da Suécia num jacto privado.

O alinhamento andou entre “Work” (2010), disco que viu a banda aproximar-se de territórios pop mais na onda de uns The Shins, e “Our Ill Wills” (2007), rodela sonora que deu à nostalgia um ar moderno longe da habitual lamechice.

Em palco, os Shout Out Louds não são dados a grandes manifestações verbais ou a movimentos físicos de grande envergadura. Tendo como pano de fundo duas gravuras pintadas entre “O Grito” de Munch e as ilustrações de Gustave Doré para as aventuras do desventurado Dom Quixote (ilustração de Linnéa Ekstrom a partir da imagem de dois elementos dos Shout Out Louds), a banda iniciou o concerto em modo tímido e centrada em temas do novo disco, como “1999”, “Paper Moon” ou “Fall Hard”.

Pena que o som estivesse pouco definido, incapaz de revelar os pequenos detalhes com que a banda nos tem brindado em disco: a percussão militar sem regime obrigatório, os ternos sopros de acordeão, os épicos e chorosos arranjos de sintetizadores, os coros femininos com sabor a rebuçado.

A festa, essa, ia-se fazendo cada vez com mais entrega e energia. Em “Tonight I Have To Leave It”, tema celebrizado por uma empresa que se dedica ao negócio dos telefones portáteis, a celebração foi total e só faltou mesmo que começassem a chover serpentinas de carnaval. A partir daí a liberdade foi total e houve tempo para atirar pedras ao rio Tejo (“Throwing Stones”), brincar aos médicos e enfermeiras no quarto dos pais ausentes (“Parents Living Room”), sonhar de olhos abertos (“You Are Dreaming”) e pedir um desejo sentimental com muita, muita força (“Please Please Please”).

Para o encore ficaram reservados dois dos pratos mais apreciados da cozinha sueca (não, não foram servidas as almôndegas do IKEA): em “Impossible”, o delírio foi tão grande que se transformou numa pacífica invasão de palco, onde a exibição de cartazes foi substituída por beijos na bochecha do vocalista; “Walls”, tema que encerrou as festividades, mostrou que não há paredes que consigam deter a celebração da música, a paixão dos fãs, a partilha entre quem cria e aqueles que vibram com a sua criação. Foram poucos mas bons aqueles que estiveram ontem no Alquimista, mostrando que na música há sempre lugar para a surpresa.

Pedro Miguel Silva