Quando uma banda emblemática perde o seu vocalista original, abre-se um sem fim de discussões apaixonadas entre os fãs.

Quando a separação se dá da forma polémica como aconteceu entre os Nightwish e a sua frontwoman, a discussão entre os fãs sobe de tom e, passados vários anos, tomam-se partidos de forma acesa: há quem ache que a banda nunca mais será a mesma, há os que rejeitam a nova vocalista, os que acham que a vida continua, e ainda os que continuam a atribuir culpas, ora a um lado, ora a outro da contenda.

Depois da noite de ontem, poderemos ser tentados a agradecer a separação: os Nightwish continuam em grande forma, com um novo álbum fantástico, e Tarja Turunen ganhou asas e tornou-se uma artista fabulosa em nome próprio.

Se o álbum “My Winter Storm” deixava antever um futuro interessante para a cantora, que trocou as terras geladas pelo sol de Buenos Aires, “What Lies Beneath” confirmou a capacidade para trilhar, a solo, no mundo do metal e criar produto. Hoje, é uma estrela de enormes proporções, em especial na Europa de Leste e na América do Sul, e, além dos álbuns, está envolvida num vasto conjunto de projetos, desde “Beauty and the Beat”, com Mike Terrana, a parcerias com orquestras sinfónicas e diversas bandas e artistas.

Portugal aguardava, há muito, a visita de Tarja e a Aula Magna encheu-se para receber a soprano finlandesa na única data portuguesa da digressão WLB Final Tour 2012, que encerra o ciclo promocional do álbum “What Lies Beneath”.

Acompanhada de Mike “The Beast” Terrana (bateria), Christian Kretschmar (teclados), Kevin Chown (baixo), Alex Schollp (guitarra) e Max Lilja (violoncelo), Tarja transportou-nos para um mundo alternativo, onde os contos de fadas, os cenários mitológicos e a melancolia nórdica se fundem com todo o poder e melodia do metal sinfónico. Sublime e etéreo, um verdadeiro presente poder «fugir» para esta realidade paralela por um par de horas.

O concerto da Aula Magna passeou entre os dois álbuns, cujos processos de composição, como afirmou em algumas entrevistas, a deixaram esgotada. Os Nightwish são um capítulo encerrado mas estão implícitas algumas feridas, e a catarse passou, em grande parte, pela partilha desses sentimentos em vários temas. Depois de “What Lies Beneath”, a cantora afirmou até que pensava não ser possível voltar a escrever, porque se sentia esvaziada e tinha dito tudo o que queria. Felizmente para nós, as viagens e os diversos povos que tem conhecido parecem ter-lhe devolvido a inspiração e as gravações do sucessor começam já na Primavera.

Depois de ter chegado na segunda-feira e ter passado dois dias a conhecer a cidade, talvez Lisboa integre, agora, esse rol de memórias inspiradoras. Pelo menos, a receção não poderia ter sido melhor. Aos primeiros acordes de entrada, o público levantou-se e recebeu Tarja em palco com uma ovação surpreendente. “Anteroom of Death” abriu com todo o seu poder a teatralidade marcadamente barroca. A cantora dirigiu-se, de seguida, ao público, que continuava a aplaudir e agritar desde o início do concerto e, em português, articulou um "Boa noite, Lisboa! Estou feliz por estar aqui a primeira vez! Muito obrigada!", que teve o condão de aumentar, ainda mais, o entusiasmo coletivo.

Em palco, Tarja passa rapidamente do registo de diva lírica, dama encerrada num outro tempo, inacessível, para a rocker rebelde, em interação com o público e com cada um dos músicos que a acompanham na estrada. Uma postura irrepreensível para a cantora, que prosseguiu com “My Little Phoenix”, “Falling Awake”, “I Walk Alone” e “Dark Star”, de bandeira portuguesa às costas, e um desabafo de incredulidade sobre o que andou a perder nestes anos sem vir cá.

Um solo de bateria de Mike Terrana, que culminou numa versão metal do “cancan” francês, permitiu a mudança de indumentária e a entrada para “Little Lies”. “Underneath” foi um dos momentos mais emotivos da noite mas não conseguiu igualar-se à explosão do público quando soaram os primeiros acordes de “Nemo”, um dos maiores sucessos dos Nightwish. Verdadeiramente épico.

Como habitualmente, o espetáculo integrou um set acústico, uma rapsódia que começa com “Rivers of Lust” e segue com “Minor Heaven”, “Montañas de Silencio” e “Sing for Me”, para terminar com Tarja a assumir os teclados em “I Feel Immortal”. Uma versão belíssima para um dos maiores sucessos do segundo álbum que, no entanto, ficou um pouco aquém das expetativas por não se apresentar em todo o seu poder. “In For a Kill” encerrou o alinhamento, num momento em que o encore já era mais do que previsível.

No regresso ao palco, o público foi surpreendido com uma versão do tema principal de “The Phantom of the Opera”, num dueto entre Tarja e Hannibal, vocalista de uma das bandas de abertura (já lá vamos).

Revelando que esteve bastante doente há algumas semanas, a cantora fez um pequeno intervalo antes da reta final, para apresentar a banda e agradecer o carinho e a energia do público, fundamentais para a recuperação. No ar, ficou a promessa de um regresso rápido, talvez em formato clássico.

“Die Alive” e “Until My Last Breath” fecharam a noite em apoteose, com toda a carga dramática desse segundo crucial que nos faz separar o acessório da essência, que nos transporta entre o mundo perene e a eternidade. Arrebatador e um duro acordar para o momento de levantar da cadeira e rumar a casa.

Já a banda tinha desaparecido nos bastidores e as luzes estavam ligadas há muito, ainda Tarja continuava à beira das doutorais, cumprimentando os fãs e acenando ao público que se manteve de pé. Soube a pouco, mas com o novo álbum em preparação e um DVD ao vivo, gravado na Argentina, poderemos aguentar as saudades.

A fechar, uma palavra para as bandas que tiveram honras de abertura. Os gregos Hannibal, sediados em Londres há alguns anos, mostraram competência e fizeram a antevisão do seu segundo álbum, “Cyberia”, que tem lançamento agendado para 20 de Abril. O quinteto, liderado por Alex Balakakis (a.k.a. Hannibal, ex-vocalista dos Spitfire), nasceu em 2003 e alia influências interessantes da música tradicional grega a uma base metal, dominada por referências power e industriais.

Seguiram-se os franceses Benighted Soul, que passaram por Lisboa na primeira dedez datas europeias, integradas na WLB Final Tour 2012. A banda, liderada por Géraldine Gadaut, apostou na divulgação do álbum “Start from Scratch” e foi muito aplaudida pelo público português. Falta alguma maturidade e o domínio do palco, ainda mais visível no contraste com o espetáculo que se seguiu. No entanto, reúnem um bom esforço e uma voz poderosa a ter em atenção nos próximos tempos.

Texto: Liliana Nascimento