Palco Principal – Como e quando nasceram os The Happy Mess?

Miguel Ribeiro – Costumamos dizer que o projeto começou em outubro de 2011, por motivos que se prendem com a criação do disco, embora alguns elementos já estivessem a trabalhar juntos anteriormente. A banda começou no âmbito de um desafio colocado a dois dos elementos. Tínhamos um conjunto na adolescência, em Valpaços, Trás-os-Montes, onde nascemos e vivemos. Com algum saudosismo, as pessoas que nos seguiam por lá pediram-nos para voltarmos a tocar e fazermos uma reunião para as festas da cidade. E então aconteceu. A verdade é que nos ensaios para esse concerto começámos a sentir novamente o «bichinho» a vir ao de cima. Sentimos a necessidade de voltar a tocar. Na verdade, nestes anos todos, apesar de não termos tocado juntos, continuei a compor em casa e a tocar para amigos. Mas, acima de tudo, continuei a aumentar o arquivo de músicas. Portanto, quando nos foi lançado esse desafio, concluímos que havia possibilidade de fazer crescer o projeto. Numa primeira fase, éramos um grupo de amigos, mas a partir do momento em que fomos tocar ao Super Bock Super Rock, no ano passado, sentimos que tínhamos de dar o passo em frente e deixar de ser a banda de garagem de Alfragide e passar a ser um projeto um pouco mais profissional. Então percebemos que nem todos podíamos dar o passo em frente, por questões profissionais e até mesmo geográficas, pois havia elementos que estavam espalhados pelo país, de Bragança a Coimbra. Portanto, houve duas fases: a inicial, embrionária, que se resume a um grupo de amigos adolescentes, e há a seguinte, que já envolve um projeto de cariz mais sério – um pouco como se fosse o antes e o depois do EP.

PP – O título “October Sessions” advém, então, das sessões de gravação que fizeram para o EP?

MR – Sim, foi em outubro que estivemos em estúdio. Não foi o mês inteiro, mas foi parte dele. E serve também como associação ao “Setember Sessions”, que é um filme conhecido no mundo do surf. Alguns elementos da banda são surfistas e quiseram fazer uma espécie de homenagem ao espírito da modalidade.

PP – Comunicação, arquitetura, psicologia, dança… - são vários os ofícios dos integrantes da banda. Conseguem conciliar as vossas profissões com a música que fazem tranquilamente?

MR – Não é fácil, de facto. Todos nós temos as nossas profissões, sendo que só o nosso baterista – o Pedro Madeira – é que é músico profissional. Só com uma grande ginástica de agendas é que é possível organizarmo-nos para compor, ensaiar e dar concertos. Mas faz-se. Costuma-se dizer que, quem corre por gosto, não cansa. Nós cansamo-nos, mas conseguimos organizar-nos com os mínimos olímpicos. Hoje em dia, a música dá muito pouco dinheiro, tem muito pouco retorno. Daí ter ideia que neste novo paradigma – em que há a necessidade de termos uma profissão fixa que nos alimente – grande parte dos projetos sejam constituídos por músicos que tocam e têm as suas profissões. E nós não fugimos à regra… Acho que todos nós temos como grande prioridade a nossa profissão, mas acho que temos conseguido gerir a nossa agenda de forma a termos tempo suficiente para conseguir fazer um projeto do qual nos orgulhamos, sério, que está na primeira liga daquilo que se faz na música portuguesa.

PP – Na medida em que algumas das vossas profissões são ligadas ao ramo da comunicação, pergunto-vos: têm por hábito cruzar o universo profissional com a música, ou são dois mundos completamente à parte?

MR – Não cruzamos, de todo. Normalmente, quando estamos todos juntos na banda, não falamos das nossas vidas profissionais, e vice-versa: quando estamos a trabalhar, também não falamos da banda. O que nós poderemos, eventualmente, ter mais que as outras pessoas será o sentido de comunicação mais apurado. Há muitos de nós a trabalhar em comunicação e isso permite-nos perceber com mais facilidade qual é a forma mais eficaz de comunicar seja o que for. Mas eu acho que, se não houver o ingrediente essencial, que é a música, nada se faz. Portanto, não hajam ilusões: o facto de eu trabalhar em televisão ou o facto do Gaspar trabalhar em produção e de já ter trabalhado em televisão também não nos permite, com facilidade, arranjar cunhas para meter a nossa música a passar nalgum lado. A música só passa se tiver qualidade, ponto final. Nós já ouvimos muitas vezes a palavra “não” nestes dois anos em que existimos. A música só se começou a impor quando teve valor e se tornou incontornável. Portanto, não há aqui facilitismo nenhum, no sentido se ser mais fácil divulgarmos a nossa música por trabalharmos no ramo da comunicação. A música impõe-se a ela própria.

PP – Com a crise económica aliada à crise fonográfica que já se vive há alguns anos, o mercado musical tem andado algo estrangulado, para a maioria. Como é que uma banda que se estreou agora com um EP tem sido recebida?

MR – Tem disso surpreendente, porque os sítios onde temos tocado, nesta fase mais recente, têm tido sempre casa cheia. A verdade é que começamos a tocar sempre com casas bem compostas. O que percebemos é que, a cada mês que passa, o núcleo vai deixando de ser composto só por amigos – e amigos dos amigos – e vai começando a estender-se a um público heterogéneo que vai atrás de nós pela música e não só por nos conhecer. Acho que o início, para qualquer projeto, reside no núcleo de amigos e nessa entourage que se consegue concentrar em torno de uma banda. Mas isso não sobrevive para sempre, pois os amigos não poderão ir sempre aos concertos. Nós temos sentido que as pessoas que vão aos nossos concertos são pessoas que não nos conhecem e que procuram a nossa música porque se interessam por ela, ou porque a ouviram na rádio. O feedback tem sido fantástico. Tem havido sempre uma grande intensidade e uma das críticas favoráveis que nos têm feito é dizerem, por exemplo, que nos nossos concertos há uma grande intensidade e uma grande ligação entre a banda e o público. Acho que a nossa ida ao Super Bock Super Rock nos marcou: permitiu-nos conquistar novos públicos, sermos divulgados em rádios e, claro, na comunicação social.

PP – Que artistas influenciam a música que fazem?

MR – No EP houve ali algumas influências que foram marcantes - e que continuam a ser na nossa forma de trabalhar. São bandas que gostamos muito, embora o facto de sermos seis elementos resulte, naturalmente, numa escolha muito eclética. Porém, há referências comuns: Arcade Fire, The National… O EP passa muito por essa sonoridade. Aliás, nós tentámos, a dada altura, convidar os Arcade Fire para trabalharem connosco, mas, infelizmente, não houve essa possibilidade. Queríamos que pelo menos algumas das músicas fossem produzidas por eles, mas fica para a próxima. Mas depois há muitas outras referências, desde coisas novas que se fazem atualmente, como os Alt-J, os Grizzly Bear ou os Tame Impala, até ao jazz, à soul e outros universos como, por exemplo, os Metronomy. A nossa música movimenta-se dentro destas e de outras balizas.

PP – A dada altura, encontramos no vosso EP uma secção de sopros. No entanto, vocês não têm ninguém na vossa formação que se assuma em tal área…

MR – Convidámos alguns músicos amigos para colaborar neste âmbito e julgo que no primeiro longa-duração voltaremos a explorar um pouco essa sonoridade, porque os sopros e os naipes de cordas fazem muito parte do nosso universo sonoro. Por exemplo, tenho a impressão de que este disco vai ter uma componente mais sinfónica e épica. Há refrões que terminam muito lá em cima com alguns elementos desse rock mais sinfónico e aí, inevitavelmente, entram esses instrumentos todos. Nós vamos continuar a ter esse tipo de colaborações, porque são artistas portugueses e pessoas que nos dizem muito.

PP – O vosso EP é constituído por seis temas, sendo que quatro deles já têm vídeo. Sentem esse apego à componente audiovisual?

MR – Nós temos essa necessidade, até porque hoje em dia temos de pensar mais nas plataformas em que as músicas são divulgadas. Normalmente, há um single que passa nas rádios nacionais. Divulgar o resto do disco é, à partida, complicado, quer para bandas mais pequenas, como nós, quer para outras mais conceituadas. Há muita apetência para o single. E, assim sendo, para comunicar o resto do disco , temos de pensar noutras plataformas – e nós pensamos muito nas redes sociais. Há depois, também, uma vertente mais artística que faz parte da nossa conceção de banda: nós sempre trabalhámos, desde a primeira hora, com amigos que são realizadores, uns já conceituados, outros que estão a começar. Portanto, gostamos de trabalhar essa parte da imagem. Estamos a pensar, por exemplo, em fazer uma curta à volta do que será o próximo disco e dar a esses amigos a hipótese de criarem algo em função do mesmo. Não é uma coisa nova. Lá fora, bandas como os Arcade Fire ou os Air já o fizeram. Cá, porque isto se torna difícil e caro, não acontece muito. Nós, pegando um pouco neste privilégio que é ter entre nós um grupo de amigos ligados ao mundo do vídeo, vamos fazer exatamente a mesma coisa com o álbum: se tiver dez ou 11 músicas, acho que oito já estão destinadas para vídeos e para experiências audiovisuais. É algo que vai continuar a fazer parte da nossa conceção de banda.

PP – Em termos de textura, este vosso álbum vai divergir do EP ou vai seguir a mesma linha?

MR – Vai haver uma grande diferença logo à partida, porque o EP foi trabalhado com outros elementos. Este disco vai ser o primeiro que vai funcionar em função desta nova forma de trabalhar. Quando tens um input de um baixista e de um baterista que trazem sonoridades diferentes, a própria forma de composição é diferente. Por exemplo, no que diz respeito às vozes, a Joana, que participou no EP como voz de coros, ainda não fazia parte do projeto. Hoje em dia, ambos trabalhamos as músicas. É algo que já faz parte da nossa personalidade. Este disco vai refletir muito mais cumplicidade do que o EP, onde eu era o único vocalista. Depois há esse input que os novos elementos trouxeram, que nos levou para caminhos mais soul, com algumas baterias mais jazzy pelo meio. Isto tudo misturado com o rock que já fazíamos anteriormente vai resultar numa sonoridade muito interessante. Eu gosto muito do resultado final do trabalho e acho que encontrámos um caminho próprio dentro do que se faz hoje em dia, em Portugal. Sinto que se mantém o essencial daquilo que eram os The Happy Mess até agora, mas com um outro caminho que quisemos trilhar.

PP – O vosso perfil de facebook conta com uma pequena biografia de cada elemento, elaborada de uma forma muito peculiar, em jeito de brincadeira. No vosso dia-a-dia, também são assim?

MR – Sobretudo, não nos levamos muito a sério. Hoje em dia, as pessoas levam aquilo que dizem e fazem demasiadamente a sério. Eu, no âmbito da banda, fujo completamente dessa seriedade, porque a minha profissão obriga-me a ter uma atitude diferente: enquanto jornalista, esse lado mais criativo não entra – ou dificilmente entra. E todos nós sentimos essa necessidade mais artística e mais relaxada. Então, quando estamos juntos, esquecemos o resto do mundo e entramos numa espécie de aquário. O nosso universo tanto pode ser muito escuro – às vezes apagamos as luzes da nossa sala de ensaios e as nossas músicas nascem com alguma dessa sonoridade mais negra, mais underground – como também temos momentos de grande euforia e felicidade. E isso revê-se também nos discos e na nossa forma de comunicação. Essa bio é um pouco como o descompor a imagem séria da banda. Não somos artistas profissionais, nem vamos fazer disto uma coisa absolutamente séria, onde só falamos com certezas absolutas. Não! Queremos ser criativos e queremos testar e experimentar. Essa é um pouco a nossa forma de estar na música. Gostamos de criar estéticas novas e fazer essa complementaridade com outras áreas da cultura, porque todos nós gostamos de pintura, música, teatro, dança. Portanto, todos nós temos interesses culturais e queremos trazê-los para aqui. É um pouco o universo “mess”, que encaixa na perfeição com o nome da banda – um universo de confusão, onde são absorvidas muitas vontades e muitas estéticas. Quando estamos juntos, exploramos isso. A banda não é só música – é também a criação desse ambiente. Daí a necessidade de cruzamentos com o mundo audiovisual e de criarmos ao vivo alguns elementos performativos.

Manuel Rodrigues