O Palco Principal esteve à conversa com o vocalista/guitarrista/compositor Danny Vaughn, frontman incontestável da banda, que partilhou o processo de construção do álbum e algumas reflexões sobre a história dos Tyketto e as suas aspirações. Com sangue português, o músico não esconde a satisfação por esta primeira passagem por Lisboa e promete um espetáculo cheio de energia, onde vão «tentar entregar tudo». É já hoje, na Musicbox, uma noite feita de recordações, com grandes clássicos extraídos dos álbuns “Don’t Come Easy” e “Strenght in Numbers”, a par de muita música nova.

Palco Principal – Para começar, deixe-me dizer-lhe que é muito bom ter música nova dos Tyketto e parabéns pelo “Dig in Deep”! Tive a sorte de poder assistir a um dos espetáculos da digressão que assinalou a vossa reunião, em 2004, mas em 2007, com a “The Last Farwell Tour”, os fãs pensaram que tinha sido o fim, em definitivo. E então, surpresa, vocês regressam em 2008 e fala-se, imediatamente, de um novo álbum. O que é que mudou para vos fazer voltar à estrada, depois de porem um ponto final na carreira?

Danny Vaughn – Bem, eu tenho que ser honesto e culpar o baterista [Michael Arbeeny] por toda esta confusão! (risos). O Michael veio ter comigo antes dos espetáculos de 2007 e disse-me que sentia que devia à família acabar com os stresses das digressões e das gravações. Então, anunciámos, com tristeza, que aquele seria o fim. Normalmente, somos uma banda que honra a sua palavra e eu pensei que estava mesmo tudo acabado. Mas, mais tarde, os familiares do Michael descobriram e disseram-lhe que ele era louco por abandonar a carreira. Assim, graças ao apoio da sua família amorosa, ficámos felizes por «engolir o sapo» e regressámos aos palcos no ano seguinte.

P.P. – Vocês foram muito abertos quanto às dificuldades que sentiram no nascimento do álbum “Dig in Deep”, com todos os elementos da banda a viverem tão longe uns dos outros. Pode guiar-nos ao longo do processo? Deve ter havido pressão por parte dos fãs e da imprensa para lançarem um álbum rapidamente, mas a banda parece ter levado o tempo que sentia ser necessário para que o resultado correspondesse às vossas expetativas...

D.V. – Nós recebemos ofertas, muitas vezes, no passado, para fazer um novo disco. Mas nunca fizemos nada só porque alguém «acena» com dinheiro na nossa direção. Na nossa opinião, não é um bom motivo... tinha que parecer certo para nós. Assim, durante muitos anos, a ideia de um novo álbum foi levantada, mas as coisas simplesmente não estavam prontas, nem ao nível pessoal, nem ao nível profissional. Quando, finalmente, se conjugaram as oportunidades, não dissemos nada a ninguém. Antes de mais nada, tínhamos que nos impressionar a nós mesmos. Assim, o Michael e eu fomos a Las Vegas visitar o Brooke [St. James, guitarrista] para ver o que é que acontecia. Eu levei vários fragmentos de ideias novas que andavam na minha cabeça e passámos várias horas por dia juntos para ver o que é que conseguíamos fazer com elas. O Brooke também tinha algumas ideias para canções escondidas e, ao final de uma semana, sentimos que já tínhamos o início de seis ou sete canções de que realmente gostávamos. Com essa confiança, decidimos fazer uma demo de alta qualidade de uma dessas canções e passá-la a algumas companhias discográficas, para ver quem ficaria interessado. Foi o tema “Love to Love”. Veio mesmo a calhar porque acabámos por tocá-la na rádio, a par da nossa presença no Download Festival, no Reino Unido, em 2010. A reação dos ouvintes confirmou aquilo que desejávamos: que tínhamos ali alguma coisa de bom e que era tempo de fazer um novo álbum. Durante o ano seguinte, escrevemos à distância, online, e reunimo-nos mais uma ou duas vezes para trabalhar nas ideias que iam surgindo, até chegar a altura de entrar em pre-produção e gravação, no final do ano passado.

P.P. – O press release promocional faz paralelos entre o novo álbum e o vosso álbum de estreia “Don’t Come Easy”, e uma citação do Michael Arbeeny afirma que "apesar das palavras serem diferentes, muitos dos sentimentos foram os mesmos". Este pararelo entre os dois álbuns surgiu de forma natural, ou foi uma coisa pensada?

D.V. – Eu acho que foi natural. Quando tens um álbum de estreia que reuniu tão boas opiniões, ficas «entre a espada e a parede». Há pessoas que adorariam que continuasses a fazer o mesmo álbum, vezes sem conta. E há os outros, que querem que dês um passo em frente e mostres o que sabes. O que é que aprenderam desde a última vez que vos ouvimos? Tivemos que encontrar um meio termo e não nos preocuparmos muito sobre como é que o novo álbum iria ficar, em comparação com o primeiro. É uma situação injusta para uma banda, mas é assim que funciona.

P.P. – Acha que as duas décadas que separam estas canções passaram demasiado depressa ou é a vida que anda em círculos?

D.V. – O tempo é ilusório e parece que nunca passa à mesma velocidade. Olhando para trás deste ponto de vantagem, poderia tentar convencer-me que estas duas décadas passaram num instante. Mas não foi assim, a sério. Consegui «encaixar» muita vida neste período!

P.P. – Para mim, “Don’t Come Easy” e “Strenght in Numbers” [segundo álbum] são muito acerca de sonhos e fantasia, e de uma certa inocência feliz que marcou o final dos anos 80. “Dig in Deep” transporta muita reminiscência desses dias, ao nível da melodia, mas as letras apresentam uma certa dose de dor e desapontamento. Enquanto principal letrista, olhou a fundo para as suas emoções pessoais, enquanto processo de catarse, ou trata-se apenas de uma visão sobre o mundo atual?

D.V. – O título do álbum, “Dig in Deep”, diz tudo. Ainda me agrada a ideia de escrever canções divertidas cujo único propósito é proporcionar uma boa batida, um bom riff e um bom momento. Mas já não as escrevo com tanta frequência. Tenho tanta coisa mais importante que acho que tem que ser dita! O tema “Dig in Deep” foi, na realidade, uma mensagem para mim mesmo, para ultrapassar um mau momento de “bloqueio de escritor” e preguiça. Na verdade, eu sempre escrevi sobre coisas que estão próximas, na minha vida. Olha para os temas “Standing Alone” ou “Burning Down Inside”: são sobre dores pessoais e situações difíceis. Não tenho medo de abordar a depressão como tema, porque é algo com que batalho a toda a hora, tal como muitos de nós. Também adoro a ideia de que a canção mais revoltada do novo álbum, “Here’s Hoping it Hurts”, é, também, a que soa mais divertida. Podes passar um bom momento a ouvi-la, enquanto conduzes pela rua fora, a grande velocidade, sem te preocupares muito sobre quem é que me prejudicou tanto que me faz dizer tantas coisas más. Está tudo na forma como apresentas as coisas.

P.P. – A imprensa gosta de se referir às bandas de hard rock que tiveram impacto no final dos anos 80, início dos anos 90, como aquelas que «quase conseguiram», mas a chegada do grunge acabou com o género e a era digital alterou a indústria. As coisas poderiam ter sido muito diferentes para bandas como os Tyketto se o tapete não tivesse sido puxado debaixo dos vossos pés. Mas, passados 20 anos, a vossa base de fãs permaneceu fiel e o género parece ter encontrado o seu espaço, novamente. Ficou amargurado com os anos 90? Como é que recorda esses dias e como é que vê o negócio da música, hoje em dia?

D.V. – Fiquei muito “azedo”, na altura. Hoje, já não vejo as coisas assim. Algumas pessoas ainda culpam os Nirvana por, sozinhos, terem arruinado as carreiras de muitas das suas bandas preferidas. Mas não foram os Nirvana que tomaram essa decisão. Foi o público. As pessoas fartaram-se de a indústria lhes enviar cem bandas que pareciam e soavam ao mesmo. Sejamos francos, o pessoal que gere este negócio não tem imaginação criativa. Apenas adoram mandar. Sobram muito poucas pessoas realmente musicais na indústria, tipos como Clive Davis e Jason Flom, que ainda são apaixonados pela música. Mas, de há um longo tempo a esta parte, tem sido apenas sobre modas e popularidade. É por isso que muitas bandas com bom aspeto e cabelo comprido, de repente, se viram nas ruas da amargura. O público fartou-se de lhes atirarem com TANTAS bandas a soar ao mesmo (e nem todas muito talentosas). Assim, livraram-se de todos nós, bonse maus, e começaram de novo. Isto acontece de tempos a tempos. Não, já não estou amargurado. Mesmo que não faça mais nada, ainda sou um dos poucos felizardos que conseguiu ter uma oportunidade nas big leagues. Eu costumo rir com a minha mulher do facto de ser «a pessoa famosa mais desconhecida que podes encontrar». Reconheço que, na maior parte das cidades ocidentais, há pessoas que ouviram falar do Danny Vaughn. Mas apenas cerca de três em cada cidade! (risos).

P.P. – Sempre tive a perceção do Danny Vaughn enquanto homem de fé, não em termos religiosos, mas como alguém que acreditava num bem maior e espalhava esperança e boas energias à sua volta. Escusado será dizer que o tema de abertura do novo álbum, “Faithless”, foi um pequeno choque. A linha «I question everything that I’ve been told” é particularmente interessante… Sempre se sentiu assim ou houve algum ponto de viragem?

D.V. – Hmmmm... bem, aqui pode ficar um bocadinho complicado. Sim, durante anos, senti-me fortemente espiritual. Não religioso. Não sou fã de nenhuma igreja ou religião organizada. Acho que inspiram ódios e desconfiança, e que criam sempre uma mentalidade do tipo “nós versus eles”. Ao longo dos anos, pode dizer-se que perdi a minha fé e encontrei a minha liberdade. “Faithless” foi uma faixa complicada para alguns dos membros da banda. Afinal, eu não estou a falar por todos eles, apenas por mim. Hey, eu ainda acredito num bem maior, em esperança e em boa energia. Mas agora sei que NÓS somos responsáveis por essa energia. Toda ela. Boa e má. Não outras forças ou seres ou o que quer que seja. A responsabilidade está em todos nós. Não preciso de um livro ou de um pergaminho enterrado no deserto para me dizer o que significa levar uma boa vida e ser um bom homem. Estas coisas já são, seguramente, óbvias para todos nós, não?

P.P. – Musicalmente, este álbum tem grandes momentos de hard rock, mas parece-me que o que realmente brilha são os momentos acústicos, com algumas influências com sabor sulista, algo que os Tyketo sempre fizeram muito bem. Foi deliberado?

D.V. – Acho que muito desse lado da banda reside em mim. Sou eu que faço os acústicos e tenho tendência para escrever sob essa perspetiva. De resto, deixo a “riffagem” mais poderosa nas mãos do nosso mestre residente, Brooke St. James (apesar de eu ter escrito o riff de “Sound Off”, do qual estou muito orgulhoso...). De qualquer forma, essas influências tipicamente americanas são aquilo que me surge mais naturalmente, seja em Tyketto, seja no meu trabalho a solo.

P.P. – Enquanto compositor, como é que trabalha? Existe um conceito ou uma letra na sua cabeça e começa a partir dai, ou dá início à melodia e deixa que ela lhe conte a história?

D.V. – O caminho nunca é o mesmo. Às vezes, um riff surge na minha cabeça e eu percebo que vou ter que lhe adicionar palavras, em algum ponto. Outras vezes, o título surge primeiro e começa a disparar ideias sobre o que a canção será. Tenho ideias que andam por aqui durante anos até eu achar que estão prontas. Não sou um escritor rápido, não sou prolífico. Quem me dera ser. A vida tem formas de se intrometer e tens que ser muito disciplinado enquanto escritor, para poderes praticar a tua arte todos os dias.

P.P. – Além dos Tyketto, o Danny Vaughn nunca parou. Com múltiplos projetos a solo e colaborações, a sua voz esteve sempre presente e é conhecido como um dos melhores e mais trabalhadores cantores/ compositores do meio. Diga-me como é que aparecem, então, os Ultimate Eagles [banda de tributo aos Eagles] no seu caminho recente.

D.V. – É engraçado, porque eu não acho que trabalhe o suficiente! Tenho muito tempo livre, no que diz respeito à música. Sobre os Ultimate Eagles, eu queria ser capaz de permanecer como músico, pagar as minhas contas e continuar a minha vida, fazendo aquilo que amo e faço melhor. Infelizmente, fazer isso com a tua própria música está reservado para alguns poucos selecionados, neste momento. Apenas as mega estrelas... Os restantes têm que encontrar outras formas de por comida na mesa. Envolvi-me com outro tributo a Eagles alguns anos atrás e gostei bastante de poder tocar aquela música. É algum do melhor pop/rock alguma vez escrito. E um grande desafio. Mas não gostei da forma como estavam a gerir o espetáculo. Então, aprendi o que pude e, depois, levei comigo todos os músicos realmente bons. Formámos os Ultimate Eagles e é muito superior do que qualquer outro tributo a Eagles que eu tenha visto por aí. Quero fazer uma digressão mundial com eles, se conseguir!

P.P. – Da última vez que falámos, partilhou que a sua avó paterna era portuguesa e que estava curioso para vir cá e conhecer um pouco mais desta parte das suas raízes. Agora, finalmente temos a oportunidade de ver Tyketto ao vivo em Lisboa... entusiasmado? Nós estamos.

D.V. – Sim, muito. De facto, nunca soube muito sobre o lado português da minha família porque a minha avó, do lado do meu pai, veio de um orfanato, e os registos da sua família permaneceram secretos e, eventualmente, perderam-se. Mas há algum tempo atrás, o meu tio surpreendeu-me quando encontrou uma fotografia da minha bisavó. O nome dela era Sara Rodrigues e eu fiquei abismado quando vi o rosto dela naquela fotografia, porque é muito parecida comigo. Ver aquela fotografia significa muito para mim.

P.P. – Estão prestes a embarcar numa digressão europeia com um calendário muito apertado. Está toda a gente de malas feitas e pronta a subir ao palco? Os Tyketto são reconhecidos pela intensidade da entrega e pelas performances selvagens...

D.V. – Vamos esperar que sim. Eu acho que estou um pouco mais lento em palco do que era costume, mas tinha que acontecer, ao fim de uns tempos. MAS, de qualquer forma, vai ser muito divertido, desde que a minha voz faça o que tem para fazer. Eu sou um homem feliz!

P.P. – Vocês têm um álbum novo para promover mas os fãs (em especial, os portugueses, que irão ver-vos pela primeira vez) também estão desejosos de ouvir todos os clássicos que vocês colecionaram ao longo dos anos. O que é que nos pode dizer sobre o espetáculo?

D.V. – Os Tyketto sempre tiveram uma grande reputação enquanto banda de palco. Nós
“entregamo-nos” em palco por que nos importamos. Sabemos quão difícil é, para qualquer banda, manter a longevidade, e aqui estamos nós, 21 anos depois do nosso primeiro álbum ter saído, ainda capazes de atrair uma audiência. Por isso, não queremos que ninguém saia do clube a pensar que nós não demos tudo o que tínhamos para dar. Vamos tentar entregar tudo, velho e novo, da melhor maneira que soubermos.

P.P. – A imagem é tão importante nesta era, mas os Tyketto têm apenas alguns vídeos disponíveis e nenhum DVD oficial. Existem alguns planos nesse sentido? Um DVD ao vivo no Firefest seria muito bom...

D.V. – Tantas pessoas já perguntaram… posso dizer que vai haver qualquer coisa. Temos horas e horas de filmagens caseiras que ninguém viu. E são coisas engraçadas. Então, um dia, em breve, vamos por tudo em ordem num pacote simpático, com alguns dos vídeos musicais que já fizemos e, talvez, alguns extras ao vivo. Continuem a consultar este espaço, algo de bom vem aí!

P.P. – Muito obrigado por se ter disponibilizado para falar connosco. Divirtam-se na estrada!

D.V. – Obrigado a vocês e a todos os fãs de Portugal por terem esperado tanto tempo para nos verem. Mal podemos esperar para vos conhecer!

Liliana Nascimento