Em 1978, nascia Bruno Cardoso, músico português. Agora, em 2014, Bruno transforma-se em Xinobi para lançar o primeiro álbum: 1975. Em entrevista ao sapinho, Xinobi recorda todo o processo de criação artística  numa esplanada do Centro Calouste Gulbenkian, em Lisboa. 

Xinobi

O nome do álbum é 1975 e tem que ver com o regresso dos teus pais a Portugal vindos de Moçambique. Nasceste três anos depois (1978), mas o que tiraste desse tempo para o álbum?

Xinobi: Essa pergunta é complicada e foi uma forma nova de falares sobre o título do álbum. O que tirei? Não sei, há algumas músicas que eu fiz que têm a ver com a música que eu ouvi de discos que o meu pai trouxe da altura de, por exemplo, os Shadows e os Beatles (há umas coisas que eu roubei, digamos; foram discos que ele trouxe). Quando eu comecei a ouvir ou a perceber ou a investigar sobre música ainda havia muito no ar o contexto de pós-25 de abril. Nasci em 1978 e até aos nos 90, a conjuntura portuguesa ainda era muito… [pausa]

Havia muita tensão ainda?

Xinobi: Sim, e falava-se muito de Moçambique e Angola, como era a vida lá e cá em Portugal, etc. Isso, de alguma forma, é uma memória e uma influência que ficou para sempre em mim.

Tendo em conta que o single se chama Mom and Dad, o que realmente tiraste desses tempos? Foi o ambiente familiar?

Xinobi: Aquilo [Mom and Dad] é o agregado de três letras diferentes com duas ou três frases minhas que sintetizam um bocado a minha relação com os meus pais: o bom e o mau.

A infância foi um período assim tão marcante que te levou a fazer um álbum?

Xinobi: Marca a toda a gente… confesso que quando fiz o álbum não havia conceito nenhum. Acho que quando tu fazes um disco, das duas uma: ou parte de um conceito e decides fazer um álbum sobre ‘isto’; ou então vais fazendo o conceito enquanto fazes o álbum; ou então, no meu caso, reparas que havia qualquer coisa que unia tudo o que estavas a fazer e não te apercebias muito bem. Tenho reparado muito que este álbum é muito biográfico, talvez como todos os primeiros álbuns são. Não fiz, de todo, uma música chamada Mom and Dad a querer remeter-me em demasia à relação aos meus pais; apesar de falar disso, não queria expor os meus pais nem nada, mas acabei por o fazer e assumi isso.

Queres extrapolar essa mensagem depois para quem vai ouvir?

Xinobi: Sim, sim. E já não sei o que estava a dizer [risos]. Repete-me a pergunta.

Estavas a falar da questão da conceção do álbum: se tinhas uma ideia pré-definida ou se a ideia surgiu depois?

Xinobi: Exato, e é super difícil falar sobre uma obra que fizeste há pouco tempo. É difícil ter um distanciamento que te leve a fazer um discurso e que tenhas um discurso super coerente, neste caso sobre o disco.

Portanto, a conceção da obra foi bastante gradual? Tens um álbum coeso como querias?

Xinobi: Sim, mas ainda hoje acho que não é um álbum super coeso. É super diverso, não é homogéneo, mas tem uma linha condutora que vai agarrando as músicas umas às outras.

Em artigos definem o teu álbum entre o deep house e o disco. Como o definirias?

Xinobi: É isso, é um bocado isso. É um disco de música de dança feito por alguém cujo início musical e a aprendizagem musical foi mais rock, aprendizagem mais com guitarras, digamos. Tanto que eu uso muito a guitarra durante o disco. Sou grande fã do dub jamaicano. Fartei-me um bocado de reggae jamaicano com voz, então fui um bocado para os instrumentais e para as remisturas. Uso muito os ecos que são caraterísticos à estética desse estilo. Gosto muito de música instrumental e bandas sonoras: tem um bocado disto tudo. Mas é muito dancey, é muito 4 por 4, dá quase sempre para dançar. Não é super óbvio. Não é aquele house super alegre…

É um disco mais minimal?

Xinobi: Tem muitos layers também, sim… mas é contido. É mais contido do que eu faria há dois anos. Não foi propositado. Agora que o oiço noto isso.

O álbum foi lançada na segunda-feira (6 de outubro). Qual tem sido o feedback?

Xinobi: Acho que tem sido um bom feedback. Das duas uma: ou o pessoal que não gostou ainda não se manifestou muito, ou então está a ser bem aceite. Mas não sei, uma semana ainda é muito pouco para perceber. É curioso porque, lá está, como o disco é muito diversificado, há pessoas a falar de músicas totalmente diferente. Isso é fixe. Não haver uma música unânime.

Assim vai ser difícil escolher o próximo single?

Xinobi: Vai! Já está mais ou menos escolhido, mas às vezes ainda me questiono… mas já há um vídeo a ser feito para ele por isso vai ter de ser [risos].

Tu tinhas mais reconhecimento internacionalmente do que nacionalmente. Achas que isso vai mudar agora?

Xinobi: É curioso, isto está a sair uma semana antes em Portugal do que worldwide. (Odeio quando me vêm as palavras em inglês; sabes que eu estive a escrever emails, em inglês, infinitos, então fiquei meio baralhado). Mas sim, só o facto de a Universal ter pegado no disco para distribuição, é um bocado sintoma, acho eu, de haver um público crescente. Mas muitas vezes é uma falsa premissa pensar que tenho mais reconhecimento lá fora porque, apesar de ser onde as pessoas se manifestam mais, mas também temos que considerar que Portugal é deste tamanho [imita o tamanho] e o mundo é gigante. Apesar de 97% dos seguidores que eu tenho no Facebook, por exemplo, serem de fora de Portugal, o nosso país é mais pequeno 97% do que o resto do Mundo, imagina.

Mas a nível de concertos?

Xinobi: Havia uma altura em que tinha mais lá fora, sim. Normalmente o verão é uma espécie de regresso à base. Há os festivais, misturados com férias que se misturam com trabalho, portanto é natural que junho, julho, agosto e setembro eu ande muito por aqui também.

Deste voz a alguns dos temas do teu álbum. Como é essa parte?

Xinobi: É horrível! Acho que preciso de voz em algumas músicas, acho que está a faltar isso.

Tinhas medo que estivesse demasiado instrumental?

Xinobi: Sim, sim. E, olha, vou perder a vergonha e experimentar aqui [pensou]. Aquilo é assustador. Não sei se tens medo de ouvir a tua voz ou não… mas no outro dia estava a falar com um gajo da rádio e ele disse-me que a primeira vez que ouviu a voz na rádio ia desmaiando de vergonha. Por isso, cada vez que eu precisava de fazer solo à voz para equalizar qualquer coisa eu ficava a tremer. Mas, às tantas, lá consegui. Depois mostrei aquele pessoal mais próximo e disseram que estava bem… Eu não sou cantor nem vou sequer inventar.

Houve uma necessidade?

Xinobi: Sim, exato. E a maior parte de vocalistas que tu vês hoje não sou cantores. Tinham uma banda, houve a necessidade de um frontman, alguém que cantasse e começaram a cantar.

Em termos de processo criativo, como é a tua rotina?

Xinobi: Eu normalmente acordo ao meio-dia e faço trabalho de escritório, lancho ou janto, vou para o estúdio às 8h da noite e saio de lá às 2h ou 3h da noite. Se tiver muito trabalho, saio quando tiver de sair. Outras vezes fico em casa.

A noite é a melhor conselheira?

Xinobi: Sim! Sempre, sempre. Os meus melhores trabalhos, os que tiveram melhor aceitação, foram sempre concebidos à noite ou com muito sono. Sempre. Portanto, o sono e a criatividade devem andar de mãos dadas.

Qual é a influência do cinema na tua música?

Xinobi: Quando eu digo a influência cinematográfica é mesmo a música em si. Tendencionalmente, as músicas são longas e pegam numa ideia e vão repetindo-a de formas diferentes ou com texturas diferentes. Há bandas sonoras que são um riff e é 40 minutos de variações desse riff. E eu gosto de camadas, de começar… (…) e ver filmes, por vezes, não sei porquê mas tenho muitas ideias no cinema.

A apresentação do disco é dia 13 de novembro no Lux Frágil em versão banda. Como é que vai esse concerto?

Xinobi: Só o facto de ser tocado já é muito especial. Mas vai ser a formação clássica de banda: um baterista, dois guitarristas, um baixista, um teclista e, neste caso, vou cantar eu… vai cantar toda a gente no fundo. A miúda que canta o Mom and Dad vai cantar essa e mais algumas, e vai tocar piano porque ela é exímia nisso. Já que a tenho como amiga e colaboradora, achei que era ideal convidá-la. Basicamente é isso: é uma estreia do meu disco em formato banda.

Vais tocar todas as músicas?

Xinobi: Não sei se vou tocar todas as músicas, mas vou tocar parte substancial e se calhar duas ou três coisas diferentes, meio surpresa.

Como é que passas das Belas Artes para o rock e depois para a música eletrónica?

Xinobi: Foi tudo em simultâneo. Quando eu andava nas Belas Artes já tocava em bandas, mas muito de nicho mesmo. Vinha algumas vezes aqui à Praça de Espanha [a entrevista realizou-se no Centrou Calouste Gulbenkian] e havia uns concertos numa casa pequena. Mas lá está: era um nicho, 80 pessoas, imagina. Isto foi tudo um bocado na mesma altura… comecei com os Vicious 5, comecei a fazer música em casa porque fazia música com eles, mas quando chegava a casa tinha um vazio: eu queria continuar a fazer música! Queria expor só as minhas ideias. E o computador foi a cena mais fácil. Na altura ainda estava a terminar a faculdade… tudo influenciou tudo.

Mas já tinhas esse gosto pela música eletrónica?

Xinobi: Sim, houve um professor meu de Filosofia na escola secundária que eu acho que ele comprava CD’s compulsivamente, e depois não tinha espaço em casa. Então emprestava aos alunos que ele curtia mais aos 10. (…) Viciei-me naquilo. Comecei a ouvir eletrónica também… fui-me viciando.

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