Aos 84 anos, Martinho da Vila está mais jovem do que nunca. O músico, que também é escritor, lançou recentemente o livro ‘Contos Sensuais e Algo Mais’, mostrando que não há idade para falar de erotismo. “Quando eu faço alguma coisa, uma música ou um texto, eu quero expressar o que eu estou pensando.”, afirmou com a convicção de quem conhece o poder das palavras.

Ao perguntar-me com entusiasmo onde eu estava - porque não é sempre que se concede uma entrevista a Portugal por meio de jornalistas brasileiros -, Martinho demonstrou curiosidade sobre a língua que une, mas que também nos separa em alguns momentos. “Você já aprendeu a falar o português deles?”, brincou.

Martinho da Vila

Com concertos em Faro, Braga, Porto e Lisboa, Martinho da Vila prometeu um alinhamento com grandes clássicos da sua carreira. Porém, claro, trazendo também na bagagem canções do seu novo disco, ‘Mistura Homogênea', marcado pela participação de grandes músicos e personalidades da cultura e da língua portuguesa.

Entre as grandes parcerias do novo disco, fiz questão de destacar o dueto com o rapper Djonga na canção ‘Era de Aquarius’, tema que nos traz um olhar para o futuro, principalmente para aqueles que acreditam na revolução brasileira.

“O Djonga é um rapper bastante inteligente. Eu gosto dele e das ideias dele. Foi bom trabalharmos juntos”, explicou Martinho, que ressaltou ainda a importância dos dois géneros para a música brasileira: “o rap e o samba são parentes bem próximos. Tem até uma música brasileira muito antiga, que é um samba, mas no duro é quase um rap. É aquela que o Jair Rodrigues cantava: deixa que digam, que pensem, que falem. Deixa isso pra lá, vem prá cá, o que que tem…”, relembrando e cantarolando para a minha (e a nossa) felicidade.

Outro ponto alto do novo registo de estúdio é a estreia de Alegria Ferreira, mais uma cria de Martinho que também demonstrou ter a música a correr nas suas veias. Ao dividir o prazer de cantar ao lado da filha, o sambista fez questão de nos lembrar o quanto ela também é sua fã. “Eu a vi cantando sozinha e pensei ‘vou chamá-la para fazer um vocalzinho aqui’. E ela se saiu muito bem. Gostei. Fiquei felizão!”.

Ao recordarmos a canção ‘Dois Amores’, com a participação da escritora moçambicana Paulina Chiziane - vencedora do último prémio Camões da Língua Portuguesa -, Martinho da Vila aproveitou para pontuar a presença do “amigo antigo”, Mateus Aleluia, que vai participar de duas das quatro atuações desta digressão por terras lusitanas.

“Ele (Mateus Aleluia) fazia parte de um grupo chamado ‘Os Tincoãs’, sendo um dos grandes vocalistas da época. Eu levei o grupo para uma digressão pela África, passando por Angola. Mas aí, o Aleluia resolveu ficar por lá! (risos). Foi uma beleza! Ele morou por lá durante muito tempo e depois voltou ao Brasil. Mas, eu ainda não o encontrei pessoalmente. Acho que vai ser muito bom, e, qualquer coisa, a gente improvisa lá!”, complementou.

Martinho também fez questão de mencionar a participação de Katia Guerreiro, cantora nascida na África do Sul e que migrou ainda criança para a Ilha de São Miguel, nos Açores. “Ela deve atuar comigo no concerto de Lisboa, mas se ela quiser fazer no Porto também será um prazer. Aliás, todos os encontros com o público serão inesquecíveis, começando por Faro e Braga.”

50 anos de estrada

Com mais de cinco décadas de carreira e inúmeros duetos, a trajetória de Martinho da Vila entrelaça-se com a própria história do Brasil. Em ‘Unidos e Misturados’, regista o atual momento da política brasileira. Cantando ao lado de Teresa Cristina, o sambista faz referência ao período decisivo do país comparando os governantes com as “ervas daninhas no cerrado”, já de olho nas próximas eleições no Brasil.

“O possível futuro presidente é de pouca escolaridade, mas é muito culto; ele lê muito. Todo mundo que lê, mesmo sem ter feito Universidade, adquire conhecimento. E ele tem essa vantagem, pois se preocupa com a cultura. Então, eu acredito que será muito bom”, destacou em alusão ao amigo e pré-candidato à presidência do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

Com perspetiva de mudança, Martinho da Vila acredita ainda que o atual governante, Jair Bolsonaro, não será capaz de impedir uma vitória de Lula em outubro. “Os seguidores dele [Bolsonaro] parecem ser muitos, mas não são. O que acontece é que eles fazem muito barulho, são muito ativos, vivem na internet e ficam fazendo coisas ‘chocantes’. E hoje em dia, qualquer coisa que se faça de uma maneira ‘estranha’, viraliza. Ele está tentando colocar uma desculpa de que as eleições não serão corretas, já se preparando para o que vai acontecer. Ao ser derrotado nas urnas, ele perde força”, afirmou com firmeza na voz.

Sobre o convite para regravar o jingle “Sem medo de ser feliz”, inicialmente criado e utilizado na campanha presidencial de Lula, em 1989, Martinho da Vila revelou que o pedido partiu de Janja, atual companheira de Lula da Silva. “Ela é muito amiga da minha mulher e acabou pedindo a ela para que eu gravasse. Aí eu acabei gravando, né?!” [risos].

Martinho e Lula são amigos de longa data. Segundo o sambista, conheceram-se no período das Diretas Já, mas a amizade fortaleceu-se depois de o ex-presidente o ter visitado durante o lançamento de um dos seus livros, em São Paulo. “A partir daí, a nossa amizade se enlaçou e permanece assim até hoje. A Mart'nália também gravou a nova versão da música. A turma toda gosta muito dele”.

O carinho por Portugal de norte a sul

Ao contar a respeito das suas ligações com Portugal, da Vila fez questão de mostrar o seu sentimento, interesse e conhecimento sobre este pequeno grande território situado na Península Ibérica, o qual ele afirma conhecer de norte a sul. “Eu gosto muito de Portugal. É um país muito bonito, o que já é uma coisa ‘bem boa’, né?! Mas, uma das melhores coisas é a culinária e os bons vinhos portugueses. É uma maravilha”, complementou com um sorriso largo no rosto.

“Sem contar as casas de Fado. Quando eu vou a Portugal, tenho que ir, no mínimo, a uma casa de Fado”, lembrou Martinho, que também fez questão de recordar as inúmeras vezes que se apresentou no “belíssimo” Coliseu dos Recreios.

Para encerrar a entrevista, que mais parecia uma conversa entre mestre e aprendiz, não resisti e contei-lhe que esta jornalista que lhe falava nasceu exatamente no dia do samba. “Opa, em 2 de dezembro, né?! Que beleza! Você é irmã do samba!”, respondeu de forma calorosa antes de se despedir e de transmitir toda a esperança carregada por ele nesses longos anos de vida dedicados ao samba e à cultura brasileira.

“A música sempre caminha junto com as lutas. Todas as mudanças que aconteceram nos países do mundo, a música estava junto. Mas não aquelas criadas para os movimentos, mas as que foram usadas por eles”.