Numa edição da Quadrienal de Praga que tem como tema “Visões raras”, fez sentido a Ângela Rocha “começar a explorar o lado tátil, um dos sentidos que está a ser um bocadinho esquecido, não só por causa da pandemia, que fez com que a distância fosse a medida de todas as coisas, e que se associasse a ideia do toque a uma ideia de perigo, mas também porque o facto de se estar numa era cada vez mais digital faz com que os mesmos gestos sejam reduzidos à funcionalidade”, disse à Lusa.

Hoje em dia, basta “pressionar ou passar para o lado”, no ecrã de um telemóvel, “para comprar uma coisa”. Ato que dantes implicaria uma série de outros gestos como abrir a carteira, tirar o porta-moedas, pegar no dinheiro ou num cartão. “Começámos a ter os gestos mais reduzidos”, salientou.

Ângela Rocha considera que “está a haver um desligar deste sentido”, o tato, “que é tão importante para uma ideia de presente”.

“A minha ideia do futuro seria tentarmos reivindicar de novo a ideia do presente temporal e espacial, através da ‘reconexão’ tátil aos lugares, e daí este espaço ser desenvolvido com diferentes tipos de texturas. Umas mais repelentes e outras mais atrativas”, explicou a cenógrafa sobre a obra que quis apresentar aos jornalistas em Lisboa, antes de partir para Praga.

Antes de se entrar, literalmente, no labirinto, há uma espécie de antecâmara que poderia ser um escritório ou um espaço de trabalho numa qualquer divisão, com uma cadeira, uma secretária e um candeeiro.

“Para avançarmos para um futuro tínhamos que analisar o presente. Por isso, era importante materializar, de alguma forma, esta ideia mais premente da saída da pandemia. Fez-me sentido que fosse uma textura mais agressiva e que criasse uma distância entre nós e os objetos. É um espaço que temos alguma relação com ele, mas que foi absorvido por esta textura criada por alfinetes. Que nos atrai, mas que sentimos que temos que mexer com algum cuidado”, explicou Ângela Rocha.

Os objetos na antecâmara foram todos cobertos por alfinetes, que de longe têm a aparência de relva artificial cinzenta. O chão e paredes do espaço que ocupam foi todo forrado a alumínio.

Só depois de o visitante enfrentar “esta ideia de presente”, é que poderá “começar a fazer o caminho para o futuro”.

A entrada no labirinto foi forrada com pelo laranja, para que o visitante se lembre “da brincadeira e do jogo”. “E de estarmos uns com os outros, de ser uma coisa mais infantil talvez, que achei que também era importante levarmos na nossa mochila para o futuro”, explicou Ângela Rocha.

Dentro do labirinto, a cenógrafa achou que deveria trabalhar “uma textura a partir da luz, visto que a luz é uma força muito emotiva a que todos os seres vivos reagem”.

“Fazia-me sentido para esta limpeza que precisamos para avançar”, disse sobre o trabalho “desenvolvido através de filamentos de fibra ótica, que revestem todas as paredes”.

Em “Metade dos minutos” é dada ao visitante “a hipótese de escolha e de reinterpretar o lugar e qual é que é a saída”. “Uma ideia de futuro que também acho bastante importante”, sublinhou.

Ângela Rocha quer, “acima de tudo, que seja um futuro plural”, por isso convidou dois artistas plásticos, Diogo Costa e Telma Faria, para desenvolverem as portas de saída do labirinto, “para que a visão se multiplique”.

Em Praga, as saídas darão acesso aos expositores da Suécia e do Quebec, de modo a “continuar esse caminho de futuro, passando por diferentes visões que cada lugar tem”.

Além das saídas, o labirinto esconde “um beco sem saída, que também é muito importante haver, e que tem uma pequena surpresa”.

A obra ocupa um espaço de quatro por cinco metros, embora dentro do labirinto se tenha a sensação de que é bem maior. Para isso contribui o chão espelhado, que “ajuda a criar a ideia de luz a toda à volta do visitante, que o visitante é o centro dessa luz”.

Além do labirinto, Ângela Rocha criou também uma atividade paralela, a que chamou “Mirabolante”, com a ideia “de levar um bocadinho mais a fundo a representação de Portugal”.

“Em vez de ser só a minha visão, abrir a possibilidade das visões de Portugal. De todas as pessoas poderem contribuir com visões”, contou.

Ao longo de dois meses, a cenógrafa e a equipa que com ela trabalha foi juntando “visões de futuro, em forma de texto, imagem ou objeto”.

Essas visões foram recolhidas, numa parceria com a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), numa biblioteca em cada capital de distrito, do continente e ilhas, e também na Biblioteca Nacional, em Lisboa.

“Vamos cenografar uma máquina de brindes redonda, como se fosse uma bola de cristal, da qual, por uns trocos, se pode retirar uma visão rara trazida de Portugal para a República Checa”, descreveu.

“Metade dos Minutos” faz parte da exposição "Países e Regiões" da 15.ª Quadrienal de Praga, que decorre entre 7 e 18 de junho.

O projeto de Ângela Rocha foi o selecionado no âmbito do concurso limitado promovido pela Direção-Geral das Artes (DGArtes), que justificou a escolha da sua proposta curatorial com a “prioridade” que dá ao “visitante como agente ativo e decisor”.

A representação portuguesa inclui também, na secção “Fragments II”, dedicada ao que fica depois das peças de teatro ao nível da cenografia, o trabalho da cenógrafa Rita Lopes Alves para a última encenação de Jorge Silva Melo, a peça “Vida de artistas”, de Nöel Coward.

Além disso, a Direção-Geral das Artes convidou também a Associação Portuguesa de Cenografia (APCEN) para realizar a curadoria do projeto a apresentar na secção “Estudantes”, tendo sido proposto o projeto coletivo "HODO: Unique Journeys", que envolve a participação de várias escolas superiores de diversas regiões do país que lecionam cursos de cenografia e design.

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