“A ideia é manter essa relação com o continente e conseguir participar em festivais, criar laços com festivais e eventualmente começar a trazer companhias cá”, adianta, em declarações à agência Lusa, Ana Brum, encenadora do grupo.

Criada há pouco mais de um ano, a companhia Cães do Mar venceu, em 2017, um prémio no Festival Internacional de Teatro de Setúbal com a sua primeira peça, "Os Amores Encardidos de Padi e Balbina, uma Dúbia História de Amor do Revenge”, que lhe valeu um convite para estrear um espetáculo na edição deste ano.

O primeiro trabalho partiu de uma versão da história do galeão inglês Revenge, que terá travado uma batalha naval ao largo da ilha das Flores com uma armada espanhola, de 53 navios, no século XVI.

A segunda peça, “Rimance de Mateus e a Baleia”, inspira-se no livro “Moby Dick”, de Herman Melville, e liga-o à história da baleação nos Açores, em particular na ilha do Pico, que se cruza com a história da emigração açoriana.

“Há toda uma série de metáforas que vão surgindo ao longo do espetáculo. A grande baleia branca no fundo é o demónio da diáspora que engoliu tantos açorianos e que nunca mais os deixou voltar a casa”, salienta Ana Brum.

Para a encenadora, é altura de os Açores exportarem a sua cultura através do teatro e de se quebrar com visão estereotipada de que o arquipélago só tem “vaquinhas, golfinhos e baleias”.

“Os Cães do Mar formaram-se sobretudo e também por sentirmos a necessidade de falarmos dos Açores”, explica.

Ana Brum admite que na primeira apresentação d’“Os Amores Encardidos de Padi e Balbina” em território continental temeu que o sotaque carregado da ilha Terceira – que fez questão de introduzir no espetáculo – fosse um entrave, mas a reação do público tranquilizou-a.

“O espetáculo foi muito bem recebido e não houve queixas nenhumas em relação ao sotaque. Acho que o público continental está perfeitamente maduro para apreciar as nossas idiossincrasias linguísticas e eu penso que é inclusive um prazer para eles receber algo que eles de facto não conhecem”, afiança.

Os textos das peças da companhia Cães do Mar são escritos pelo encenador e dramaturgo inglês Peter Cann que se apaixonou pela ilha Terceira, quando Ana Brum, com quem trabalhou no Teatro Montemuro, lhe mostrou um vídeo sobre as danças de Carnaval da ilha.

Encantado com as filarmónicas e com as festas do Espírito Santo, o dramaturgo defende que ainda há muito da história e da cultura nos Açores para transformar em peças de teatro, acrescentando que a encenadora tem “todos os dias uma nova ideia”.

“Para mim é uma oportunidade para fazer teatro que eu quero, teatro importante para a comunidade, não teatro só pelo teatro e para pessoas que gostam de teatro. Os Cães do Mar fazem teatro para todas as pessoas”, frisa.

Apesar de Ana e Peter se dedicarem em exclusivo ao teatro há cerca de duas décadas, os atores dos Cães do Mar ainda não o fazem.

A encenadora lamenta que nos Açores não existam companhias profissionais, mas defende que a região tem condições para ter até mais do que uma.

“Nunca houve os meios, nem a vontade. Agora sinto que há uma vontade, mas nunca houve vontade que estas companhias existissem”, aponta, alegando que as companhias profissionais são “cruciais para os grupos amadores, porque eles crescem de mãos dadas”.

“Uma companhia profissional não retira lugar a ninguém, pelo contrário, faz nascer mais lugares, porque se cria uma troca de conhecimentos e gera uma corrente de ideias”, acrescenta.

Na estreia do “Rimance de Mateus e a Baleia”, no largo do Sapalinho, em Setúbal, os atores Ricardo Ávila e Hélder Xavier estarão acompanhados em palco pela Banda da Sociedade Musical Capricho Setubalense, dirigida pelo maestro Joaquim Silva.

O espetáculo foi desenhado para integrar as filarmónicas, “uma das grandes expressões artísticas” dos Açores, segundo Ana Brum.

O texto das canções é da autoria de Peter Cann e de Hélder Xavier e as músicas são temas originais do compositor Antero Ávila, natural da ilha do Pico.