Em declarações à Lusa, Fernando Pereira, proprietário do Jamaica e do Tóquio, explicou que recebeu, assim como Pedro Vieira, arrendatário do Europa, uma notificação de denúncia dos seus contratos de arrendamento, a partir de 14 de abril, por parte do senhorio do edifício onde funcionam os três espaços míticos da noite do Cais do Sodré, em Lisboa.

A posição dos dois arrendatários é conjunta, sabiam “à partida que mais cedo, ou mais tarde, iriam acontecer obras de remodelação no edifício”, no entanto, só depois de falarem com os juristas, após receberem a notificação, ficaram a saber com o que contar.

“Aquilo que estávamos a contar era que viesse a haver uma interrupção dos espaços ou um agravamento do valor das rendas, uma atualização do seu valor, mas não que tivéssemos de sair do edifício, daquele local“, explicou Fernando Pereira.

Tanto Fernando Pereira, como Pedro Vieira, não estão contra as obras de remodelação no edifício em questão, lembrando que há mais de duas décadas que lutam pelas mesmas e que estas podem ser feitas sem a desocupação do locado.

“Legalmente, aquilo que queremos é que a Câmara Municipal de Lisboa – a cujo presidente deixamos para entregar na quinta-feira passada um conjunto de documentos – não considere a qualificação do edifício como uma obra de remodelação profunda que obrigue à desocupação do locado, conforme previsto na nova lei do arrendamento e nas alterações ao código civil”, avançou.

Fernando Pereira adiantou que nos documentos entregues na autarquia encontram-se relatórios técnicos assinados por peritos a comprovar como é possível fazer a obra sem que as discotecas sejam despejadas.

O mesmo responsável deu ainda o exemplo de vários edifícios que estão a ser recuperados em Lisboa, concretamente no Cais do Sodré, como o caso de um hotel que foi construído à frente do Europa, num edifício onde funcionam o Liverpool e o Oslo, e que estes só estiveram fechados durante uma semana.

Os dois arrendatários consideram estar-se perante um caso de especulação imobiliária, lembrando que a nova lei do arrendamento não defende o património cultural. Com a nova lei, depois de o senhorio conseguir aprovar o projeto, basta uma notificação aos espaços em causa e com indemnizações que não chegam a cinco mil euros para cada, conseguir, no prazo de seis meses, denunciar o contrato e fazer com que os espaços desapareçam do local onde estão.

“Há aqui um negócio imobiliário muito grande, os proprietários já venderam o edifício a uma imobiliária, que por sua vez, já vendeu a um grupo francês que quer fazer um hotel no edifício, não é mais que, primeiro, uma forma ligeira e expedita de conseguir fazer uma venda sem dar opção de compra dos espaços aos arrendatários e segundo, fazer uma venda por valores muito acima daquilo que seria vender aquele edifício com três discotecas no piso de baixo”, sublinhou Pedro Vieira.

O responsável pelo Europa lembrou ainda que o espaço, datado de 1947, tem uma fachada do arquiteto português Casiano Branco e que tem o seu espaço na história da cidade e do próprio país, daí defender a reabilitação urbana “respeitando aquilo que é a cidade e aquilo que é o seu legado”.

“Admito que o Tokio e o Europa possam passar para outro local, não têm a raiz no Cais do Sodré como tem o Jamaica, este já não acredito que funcione noutro local da cidade que não o Cais do Sodré. Mas, neste momento não estão em cima da mesa alternativas queremos lutar para conseguir ficar no sítio onde estamos”, frisou.

Em comunicado, Fernando Pereira e Pedro Vieira, dão conta ainda que o projeto para o hotel contempla a manutenção do Jamaica no local onde se encontra, mas para esta proposta, o arrendatário do espaço teria de desistir de um processo que tem contra o proprietário do edificio - pedido de indemnizção de 200 mil euros por causa do encerramento quando se deu a derrocada e que tem a última audiÊncia para alegações finais na próxima segunda-feira.

O proprietário entregaria então a loja em bruto tendo o Jamaica que fazer todas as adaptações necessárias para voltar a funcionar, enquanto o Tokio também teria de desistir de um pedido de indemnização de quase 60 mil euros, também devido ao encerramento forçado, e saia "sem fazer barulho".

Em declarações à Lusa, Gonçalo Riscado, presidente da Associação dos Comerciantes do Cais do Sodré, não quis alongar-se nos comentários, deixando-os para os proprietários dos bares, avançando, no entanto, que a notícia dos ‘timmings’ de um mês o apanhou “de surpresa”.

De acordo com Gonçalo Riscado, trata-se uma “perda não quantificável” para o Cais do Sodré, reconhecendo que é a história daquela zona e da própria cidade de Lisboa que “está a ser desfeita”.