Traduzido por Aníbal Fernandes -- a mesma tradução da versão publicada em 1985 pela Assírio & Alvim --, o livro inclui uma outra história, “Ghostkeeper”, também editada há 31 anos pela Hiena, e deverá chegar esta semana às livrarias portuguesas.

O escritor e poeta britânico Malcolm Lowry, que se distinguiu sobretudo por aquela que é considerada a sua obra-prima, “Debaixo do Vulcão”, trabalhou nos últimos dias de vida no texto de “Cáustico Lunar”.

Antes disso, fizera o primeiro esboço da novela “Ghostkeeper”, mas este estava parado há quatro anos. Para ele tinha pensado em diversos títulos (“Henrik Ghostkeeper” ou “Lost and Found” ou “I Walk in the Park” ou “But Who Else Walks in the Park?” ou “O. K. But What Does it Mean?” ou ainda “Wheels Within Wheels”), como se fica a saber “pelas hesitações registadas no manuscrito”, explica Aníbal Fernandes, que apresenta esta edição.

“Juntar estes dois textos no mesmo livro, nada tem de arbitrário. São assombrados ambos por um destroço de barco, carcaça desfigurada pela usura do tempo e que se faz anúncio de uma inevitável mas indescortinável catástrofe”, escreve Aníbal Fernandes.

Malcolm Lowry tinha passado por dois períodos de tratamento psiquiátrico, o primeiro dos quais em 1935, no hospital de Bellevue, em Nova Iorque, e do qual saiu após dez dias de internamento para imediatamente mergulhar numa “bebedeira de 48 horas”.

Esta "é a experiência literariamente transposta para ‘Cáustico Lunar’, uma hiperlucidez visionária mais tarde diluída em opacidades anuladoras de toda a criação”, acrescenta o tradutor.

Nos seus últimos dias de vida, restavam-lhe apenas “clareiras de lucidez”, que lhe permitiam o regresso a hábitos de escrita.

Em “Cáustico Lunar”, o adolescente Garry vive obcecado pelo prenúncio de uma destruição universal sonhada através da imagem da carcaça de uma lancha de carvão, anos antes encalhada ao pé de um hospital de Nova Iorque.

Em “Ghostkeeper”, Tom Goodheart associa o encontro que tem, com os restos de um salva-vidas naufragado, ao mau presságio que o domina sem nunca definir a sua mensagem nem denunciar a sua dimensão.

Estes barcos destroçados são como que um “centro emocional” em ambas as novelas: o foco que em “Cáustico Lunar” ilumina a perceção do mundo de Bill Plantagenet, e que em “Ghostkeeper” projeta “uma luminosidade sombria sobre o futuro de Tom Goodheart”.

A publicação de "Cáustico Lunar" e "Ghostkeeper" acontece no mesmo mês em que se prepara o XIV Encontro Internacional Malcolm Lowry, a realizar-se pela primeira vez fora do México, em Lisboa, nos dias 30 e 31 de outubro, com comunicações de diversos autores, debates, visionamento de filmes e exposições.

A Porto Editora, que em 2016 publicou, na editora Livros do Brasil, o romance “Rumo ao Mar Branco”, com tradução e prefácio do poeta Daniel Jonas, disse à Lusa ter intenção de lançar outros títulos do escritor, embora sem previsão de datas nem de títulos.

A Relógio d’Água que, além de “Debaixo do Vulcão”, reeditou em 1991 a tradução de Ana Hatherly de “Através do Canal do Panamá”, publicada originalmente em 1976 pelas Iniciativas Editoriais (com as novelas de "Ouve-nos Senhor do Céu que é a Tua Morada"), manifestou interesse neste autor, e está a ponderar se avança com outros títulos.

Nas antigas edições Livros do Brasil chegaram a ser publicados, a partir de 1961, “Debaixo do Vulcão” e o primeiro romance do escritor, “Ultramarina”, os únicos editados em vida de Lowry, com tradução de Virgínia Motta e de Fernanda Pinto Rodrigues, respetivamente.

A tradução de Virgínia Motta foi recuperada e revista pela Relógio d'Água, pouco antes do centenário do escritor, assinalado em 2009.

Na editorial Estampa, ainda na década de 1990, também saiu “O Barco de Outubro para Gabriola”, traduzido por Maria José Figueiredo, e a Assírio & Alvim publicou, mais recentemente, em 2008, a coletânea “As Cantinas e Outros Poemas do Álcool e do Mar”, com tradução do poeta José Agostinho Baptista.

A antiga Hiena Editora - fundada por Rui Martiniano --, e que editara em 1988 a tradução de Aníbal Fernandes de “Ghostkeeper”, publicou, em 1991, a coletânea de textos "Por Cima do Vulcão”, traduzidos por Pedro José Leal, com textos introdutórios de Arthur Calder-Marshall e Victor Doyen. Este volume inclui uma longa carta de Lowry ao editor Jonathan Cape, fundador da Penguin.

O romance “Escuro como o Túmulo onde Jaz o Meu Amigo”, com tradução de Cármen Gonzalez, foi editado em Portugal uma única vez, pelas Publicações Europa-América, no início dos anos de 1970, estando afastado há décadas das livrarias portuguesas.

Lowry nasceu em Merseyside, no Reino Unido, em 1909. Aos 18 anos fez uma viagem marítima pelo Oriente, antes de estudar em Cambridge e de seguir para os Estados Unidos. Fixou-se, no México, em 1938, onde viveu em Cuernavaca e começou a escrever "Debaixo do Vulcão". A quase totalidade dos seus últimos 15 anos de vida foram passados numa choupana, no Canadá, junto à costa do Pacífico. Morreu em 1957, na cidade inglesa de Ripe.

Sobre o protagonista de “Escuro como o Túmulo onde Jaz o Meu Amigo”, à semelhança do cônsul Firmin, de "Debaixo de Vulcão", escreveu Douglas Day, biógrafo do escritor: "Não é apenas Malcolm Lowry (...). É um Dante ou um Virgílio, descendo aos abismos do Inferno. (...) E não se trata de um inferno qualquer, mas do seu próprio inferno".