Presença regular em palcos nacionais desde 2007, ano em que se estrearam por cá com um curtíssimo concerto a altas horas no festival Paredes de Coura, os Crystal Castles não demoraram muito a ser alvo de culto dos adeptos de pop eletrónica de alta voltagem (sobretudo ao vivo) com ligações ao rock, ao punk ou ao noise.

O público português teve direito a acompanhar a dupla canadiana ainda antes do álbum de estreia - homónimo, de 2008 - e a partir daí a cada novo lançamento. E já vão quatro em seis anos, com o mais recente, "Amnesty (I)", a destacar-se entre os regressos mais aguardados do verão passado.

Além de suceder a uma trilogia de discos que está entre a mais aclamada da eletrónica deste milénio, o último álbum gerou ainda mais burburinho por ser o primeiro sem Alice Glass, vocalista substituída por Edith Frances depois de desentendimentos com o produtor Ethan Kath. Mas se em disco a prova da nova formação foi superada - mesmo que a maioria das reações reconheça que o resultado fica aquém do que está para trás -, ficava a dúvida sobre o formato da banda em palco, território em que Glass sobressaía particularmente ao instigar a atmosfera de euforia e caos quase sempre ininterrupta.

Nesse aspecto, a atuação da passada quinta-feira, no Paradise Garage, em Lisboa (um dia depois da do Hard Club, no Porto), foi esclarecedora. E também tranquilizadora, ao mostrar que um concerto dos Crystal Castles continua a ser uma experiência atípica.

Os detratores, e há alguns, terão razão ao dizer que a voz fica demasiadas vezes soterrada entre a muralha sintética - nada que não aconteça cada vez mais nos discos da dupla - ou que uma hora e dez minutos é uma duração demasiado curta para um concerto em nome próprio - embora seja tempo suficiente para passar pelos quatro discos da banda num alinhamento sem pontas soltas.

Já quem aceitar as regras do jogo - e depois de tantas visitas a palcos nacionais, não serão segredo - encontra aqui um espetáculo intenso e empolgante, explosivo mas com estilhaços de beleza, musculado no som e efervescente na imagem (as variações de luzes strobe chegam e sobram para dar embalo visual a este eletrónica cinética, com tanto de primitivo como de futurista).

Mas então e Edith Frances?

É uma tarefa ingrata substituir uma vocalista tão carismática como Alice Glass, para muitos a cara do grupo ainda que Ethan Kath seja o principal responsável pelo código genético desta música (e as suas batidas continuam inconfundíveis). Menos frenética, a nova frontwoman não deixou de se revelar empenhada em contagiar o público de uma sala concorrida, que respondeu à altura às suas provocações enrolada em cabos ou a ameaçar atirar o microfone.

Interagindo com os espectadores das primeiras filas logo ao início da atuação, com "Concrete", um dos singles do novo disco, Frances mostrou ter a pose bem estudada, mesmo que por vezes tenha sido mais comedida do que a vocalista anterior - e sem a fúria que esta transmitia no olhar e na linguagem corporal, o que ajudará a explicar o ambiente ligeiramente menos intempestivo do que passagens anteriores da banda por cá.

Mas adiante. Saiu Glass, ficou ainda Kath, circunspeto como sempre, refugiado no seu gorro, teclados e sintetizadores e avesso a grandes (ou pequenas) conversas - mas a surpreender, desta vez, ao convidar o público a acompanhar o final de "Kerosene" ao ritmo de palmas, um tremendo avanço face à atitude em concertos de outros tempos. E ficou também Christopher Chartrand, o (excelente) baterista que complementa a dupla ao vivo, além de ser a única pessoa (ocasionalmente) sorridente em palco e o responsável por boa parte do apelo físico que a maioria das canções reforça neste cenário.

Falando nelas, vale a pena destacar o frenesim coletivo instaurado por "Intimate" ou "Baptism", os gritos de excitação pela entrada de "Crimewave", um dos temas mais antigos da dupla, ou a boa receção às novas "Char", "Fleece" ou a já referida "Concrete". E se o disco de estreia terá deixado saudades, uma vez que foi o menos revisitado da noite, foi bom voltar a "Wrath of God", entre a melodia tímida e o ruído avassalador, ou a "Celestica", que se mantém um pequeno oásis no meio da tempestade habitual das atuações dos Crystal Castles - o efeito calmante é tanto que ao olhar em volta vê-se boa parte do público a dançar de olhos fechados.

Baralhar e voltar a dar

Em vez da mera sucessão de canções, o concerto integrou interlúdios a cargo de Ethan Kath, às vezes a criar bases para o temas que se seguia, noutras a impor um corte rítmico, noutra ainda a propor uma espécie de medley do final de "Telepath" para "Untrust Us" e "Kept" (aí com Edith Frances talvez demasiado tempo ao seu lado em vez de na frente do palco). Mais conseguido foi o fim do concerto, num encore com despique visceral entre sintetizadores e bateria no desfecho de "Femen", belo tema de abertura do novo disco elevado a belíssimo ao vivo.

A fechar, "Not In Love", certamente a canção mais radiofriendly dos Crystal Castles - ou pelo menos a mais rodada em playlists radiofónicas - que não contou com Robert Smith, dos The Cure (voz da versão mais popular do tema), mas que ficou muito bem entregue a Edith Frances. E tanto ela como o público pareceram prontos para mais uma trilogia discográfica, de preferência capaz de manter este nervo noutros (prováveis) regressos a palcos nacionais.

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