“Manifestamos a nossa mais profunda deceção pela total quebra de diálogo do ministro da Cultura com o setor e pelo facto de ignorar todas as vozes que justamente apelam à correção da injustiça no reforço de verbas" dos concursos do Programa de Apoio Sustentado da Direção-Geral das Artes (DGArtes), para o quadriénio 2023-2026, "confundindo, deliberadamente, a opinião pública", lê-se num comunicado da direção da Plateia - Associação de Profissionais das Artes Cénicas.

Este comunicado foi divulgado poucas horas depois de a DGArtes ter divulgado os resultados finais do Programa de Apoio Sustentado às artes, na área da Programação, em que a larga maioria das entidades não apoiadas ficou excluída por se ter esgotado o montante disponível, apesar de terem uma classificação que as torna elegíveis para acesso ao apoio financeiro, replicando resultados similares dos concursos para as áreas da Dança, Música e Ópera e Artes Visuais, já conhecidos.

A Plateia lembra que, no último mês e meio, “desde que começaram a ser divulgados os resultados provisórios dos concursos para financiamento sustentado às artes”, a associação e outras estruturas representativas, tanto artísticas como de profissionais que nelas trabalham, “têm reivindicado um novo reforço de verbas para a correção da arbitrariedade na opção do Governo de apenas ter reforçado a modalidade quadrienal, em detrimento da modalidade bienal”.

“O reforço anunciado em setembro foi muito importante, mas sendo totalmente assimétrico, criou uma injustiça”, sublinha a Plateia, acrescentando que “todos os resultados provisórios mostraram uma grande diferença entre modalidades nas percentagens de candidaturas apoiadas em função das elegíveis” , confirmando, assim, que “esta decisão foi um erro, defraudando as expectativas das estruturas que fundamentaram as suas escolhas quanto à modalidade a que concorreram e colocando em causa a equidade e a legitimidade do concurso público”.

Quando abriram as candidaturas em maio, os seis concursos do Programa de Apoio Sustentado tinham alocado um montante global de 81,3 milhões de euros.

Em setembro, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, anunciou que esse valor aumentaria para 148 milhões de euros. No entanto, esse reforço abrangeu apenas a modalidade quadrienal dos concursos. Na altura, o ministro referiu que tinha havido uma grande transferência de candidaturas da modalidade quadrienal para a bienal.

Entretanto, em novembro, a DGArtes divulgou os resultados provisórios dos seis concursos de apoio sustentado às artes, nas modalidades bienal (2023-2024) e quadrienal (2023-2026), que começaram logo a ser contestados, nomeadamente por não se verificar a migração de candidaturas de uma modalidade para a outra, e haver uma grande assimetria entre as duas modalidades.

Conhecidos os números, ficou patente que cerca de metade das estruturas elegíveis para apoio, na modalidade bienal, perdeu-o por falta de recursos financeiros, e a quase totalidade das candidaturas elegíveis, na quadrienal, obteve apoio.

No concurso para a área da Programação, os resultados definitivos hoje divulgados pela DGArtes indicam que foram admitidas 90 candidaturas, nas duas modalidades, tendo sido propostas para apoio 43.

Na modalidade quadrienal (com uma dotação de 27,7 milhões de euros), foram admitidas 36 candidaturas, das quais 30 recebem apoio, para projetos nas áreas da música, cruzamento disciplinar, teatro, dança e circo. As restantes seis foram excluídas por "ter sido esgotado o montante global disponível para a modalidade de apoio em causa”, como se lê na decisão final.

A mesma razão levou à exclusão de 34 das 41 entidades não apoiadas na modalidade bienal.

Nesta modalidade (com uma dotação de 4,9 milhões de euros), das 54 candidaturas admitidas foi proposto apoio a 13.

No caso deste concurso, para a modalidade bienal, a Plateia sublinha que “a verba é da tal forma limitada que não permite o cumprimento do próprio aviso de abertura, que indicava um mínimo de cinco estruturas a serem financiadas na região norte”.

“Por falta de verba, só foram financiadas três estruturas, ficando de fora outras com pontuação excelente”, observa a associação, considerando tratar-se de um exemplo “escabroso” que “prova como, desde o início, é fundamental o reforço das modalidades bienais, e sublinha a opção errada do Governo”.

Apesar de nas últimas semanas se terem “multiplicado” os “comunicados, entrevistas, abaixo-assinados e outras formas de protesto e apelo dirigidas diretamente ao Ministério da Cultura, demonstrando que a correção deste erro é necessária, justa e viável", o ministro Pedro Adão e Silva “tem ignorado este movimento”.

“Nunca respondeu às entidades representativas, nomeadamente a nenhum dos 'e–mails' enviados diretamente para o seu gabinete nos últimos meses", e recusa-se "a assumir a injustiça criada por si com o reforço desproporcional anunciado em setembro”, frisa a Plateia.

Desde a sua intervenção no Teatro Nacional D. Maria II, no passado dia 30 de novembro, quando eram conhecidos os resultados provisórios, o ministro da Cultura tem destacado os números globais de entidades apoiadas, nos concursos do Programa de Apoio Sustentado para os anos de 2023-2026, nomeadamente o aumento para 211, por oposição às 186 do ciclo anterior, mas sem distinguir as diferentes modalidades bienal e quadrienal.

A associação considera que, embora o ministro refira à comunicação social que “não cabe ao Governo tomar opções discricionárias com base em descontentamentos”, “o que acontece de facto é um justo descontentamento perante, precisamente, a sua decisão discricionária”.

Uma “ausência de resposta e de disponibilidade para o escrutínio” que, segundo a estrutura, se “estende não apenas ao setor que tutela, mas também aos deputados da Assembleia da República”.

Apesar de ter sido chamado pela comissão parlamentar de Cultura para falar sobre este tema, Pedro Adão e Silva “apenas o irá fazer a 11 de janeiro de 2023, numa audição regimental, alegando constrangimento de agenda”, sustenta.

“É de lamentar que o ministro não encontre tempo para prestar esclarecimentos, quando, pela primeira vez desde que tomou posse, se confronta com manifestações e apelos do setor, optando por apenas deixar comentários junto da comunicação social, ou escolhendo intervenções públicas sem direito a contraditório, perguntas ou confronto com os factos”, conclui a Associação de Profissionais das Artes Cénicas.

A Plateia e o Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE) foram ouvidos na comissão parlamentar de Cultura, sobre estes concursos, na passada terça-feira.