Em entrevista à agência Lusa, em Lisboa, a primeira escritora africana a vencer o Prémio Camões disse que gostaria de voltar a trabalhar com as pessoas nas prisões, ou que já estiveram na prisão, sobretudo mulheres, porque “é algo que nunca foi falado”.

O primeiro contacto, em parceria com Dionísio Bahule, resultou no novo livro da galardoada escritora: "A Voz do Cárcere".

“Uma das lições que eu aprendi das mulheres que estão nas prisões é que elas, primeiro, não são ouvidas; e nós, que não estamos na prisão, que estamos em liberdade, às vezes inventamos campanhas para sensibilização, para o combate à violência doméstica e outros males, mas nós não ouvimos quem sofreu de uma forma direta e quem sofreu uma prisão”, contou.

A maior parte das mulheres, que Paulina ouviu, matou os maridos ou ex-companheiros. “Elas diziam: Eu sempre fui educada para ser fraca. Eu julgava que era frágil e eu julgava que era uma boa mulher, aquela mulher que não faz mal a ninguém. Fiquei surpreendida com meu poder e com a minha força. Mas descobri quem eu era no momento fatal? Meu marido é um homem forte, mas veio morrer nas minhas mãos”.

A escritora defende que se ensine a mulher “a conhecer a sua verdadeira força, porque isso vai-lhe permitir gerir essa força e não esperar que essa força aflore no momento fatal”.

“Dizia uma delas: Se eu soubesse que tenho mais força que o meu marido, hoje não estaria na prisão, teria tomado outro rumo para lutar pela vida dos meus filhos”, prosseguiu.

Chiziane gostaria que as campanhas de prevenção da violência doméstica fossem “reformuladas” e que a própria sociedade reconheça que “educar a mulher para a fraqueza não é retirar a fraqueza, porque é um momento crítico da vida dela, em que essa força sai, aquilo que se chama um certo salto mortal”.

Sobre ser uma mulher na prisão, a escritora descobriu que as diferenças de género, também aqui, são abismais.

“O marido abandona, os pais abandonam, os irmãos vão nos primeiros dias procurar saber alguma coisa sobre elas e no fim é o abandono total. Mesmo nas visitas isso é visível. As mulheres têm menos visitas que os homens”, disse.

Pelo contrário, “quando é um homem preso, a mãe está sempre presente, a esposa vai sempre, os filhos visitam. Então, a família fica muito mais despreocupada e dá mais apoio ao homem em presídio, porque a mulher fica completamente abandonada e depois com este lamento”.

Na "hora de sair da prisão, para a maior parte das mulheres, é um sofrimento terrível, porque realmente estiveram ausentes e as coisas correram, os filhos ficaram ao deus dará. Uns com sorte de ser adotados por alguém, a quem chamaram de mãe, quando a mãe estava ausente”.

A escritora acredita que “todas as sociedades poderiam crescer um pouco mais se tivessem tempo de ouvir os relatos e as histórias das mulheres, das mulheres na prisão ou das pessoas que vivem na prisão, porque os homens também, há muito homens sofrendo”.

“Eu já era adulta e me julgava senhora de algum saber quando eu entrei na prisão. Foi quando eu percebi que sempre estive ausente do mundo, porque aquele é um mundo que merece a nossa atenção”.

Esta experiência a ouvir mulheres presas veio reforçar a sua ideia de “Deus é mulher. Não pode ser outra coisa”.

“Para mim, depois de Deus é a mãe. Olhando para esta experiência da prisão, para os diferentes tipos de família, quando a mãe está ausente, os filhos estão perdidos. Mas não é apenas nos seres humanos. Mesmo nos animais, quando a mãe está ausente no primeiro período da vida, não há sobrevivência passível”.

“Há um Deus invisível, que dizem que é o tal que criou tudo. Mas, na terra, existe uma deusa que vela pela sobrevivência de todas as espécies. E esse Deus é uma mulher”, explicou Chiziane.

“Agora, Deus é negra e por uma razão simples: se o ser humano foi feito à imagem e semelhança de deus, então Deus, desculpe, é muito parecido comigo. É negra e é mulher”, sublinhou.