A escritora mexicana Fernanda Melchor, que venceu na quarta-feira a 25.ª edição do Prémio Literário Casino da Póvoa, com o livro “Temporada de Furacões”, afirmou que escreve com violência e linguagem “para sacudir a consciência das pessoas”.

Numa entrevista coletiva ‘online’ horas depois do anúncio do galardão, a escritora confessou que foi com “enorme surpresa” que recebeu a noticia do prémio às 04:00 e que, apesar de já ter recebido outros prémios internacionais, não esperava ser distinguida num concurso com tantos “grandes escritores e grandes livros”, afirmando ser para ela “um sonho”.

“Temporada de Furacões” é um romance que foi escrito “num momento de crise” pessoal e do seu país, contou.

“Escrevi em 2015, publicou-se em 2017 no México, e é muito inquietante que as coisas não melhoraram, acho que pioraram. Continua a haver muitos crimes contra as mulheres, muitos crimes relacionados com as lutas contra a droga e os cartéis, delinquência organizada, mas também crimes praticados pelo próprio Estado”, disse.

Segundo a autora, nas pequenas cidades é pior, é onde se encontra “muita violência, muitos assassinatos, muita injustiça” e este romance “continua a ser um livro muito atual, quase 10 anos depois de ser escrito, continua a ser um livro que fala de uma realidade no México”.

Fernanda Melchor contou que quando o escreveu estava “muito deprimida por tudo o que se passava no México, contra as mulheres, crimes de ódio contra homossexuais, contra pessoas trans, o desespero e o medo de que a qualquer momento se pudesse passar algo com a própria família”.

“Agora o que me parece mais terrorífico não é a violência, mas a indiferença das pessoas. Quando escrevi este livro, o que queria era romper essa indiferença, porque o problema da droga, da violência, tem muitos anos, sempre existiu no México, mas nos anos 2000 houve um pico de violência e então escrevi este livro com estas palavras tão duras, com esta linguagem tão crua, com esta violência tão explícita porque queria sacudir a consciência das pessoas”, afirmou.

No entanto, considera que a literatura pode ter força para mudar alguma coisa, mas não tem essa obrigação.

“Se queremos mudar o mundo, a literatura não é uma boa forma para fazê-lo, o ativismo parece melhor, mas a literatura serve para expressar a verdade do que vemos e o que eu quis com ‘Temporada de furacões’ foi a verdade do que via e ouvia, histórias que não apareciam nos jornais”.

Toda esta realidade sobre a qual escreve tem também muito a ver com a sua vida, revelou, exemplificando que quando era muito jovem experimentou também a sensação de não ter futuro, de querer escapar de obrigações familiares, da sociedade, das coisas que são impostas.

“Parece muito político, mas é um romance também muito pessoal, do desesperada que me sentia por ser mulher no México”.

Melchor admite, contudo, que o risco de escrever de uma forma “tão dura, tão crua, tão forte” é justamente o de que haja pessoas que não compreendam, mas explica que o que pretende “é expor a violência, não justificá-la”.

O seu mais recente romance, “Paradaise”, “é mais duro” – admite -, porque no primeiro há uma tentativa de compreender a violência, de ir ao fundo da alma humana e perceber porque sucedem estas coisas, pobreza, desintegração familiar, toxicodependência, alcoolismo, mães que não querem ser mães e são obrigadas a sê-lo, famílias que se atacam, e no final é também uma história de amor, onde o amor é procurado desesperadamente, por pessoas que como nunca foram amadas não sabem o que é ser amado, e confundem.

“Em ‘Paradaise’, o que queria mostrar era como a violência às vezes é simplesmente irracional, brutal, sem sentido, estúpida”.

Fernanda Melchor é dona de um estilo narrativo que não deixa quem a lê indiferente e é por isso que, tal como é elogiada, também há pessoas que dizem que o que escreve “é pornografia”.

“E são capazes de ter razão, mas eu não escrevo sobre violência contra mulheres porque gosto dessa violência. Há qualquer coisa obscura aí, mas eu escrevo porque quero entender. Quando escrevi ‘Paradaise’ pensei que o pior pesadelo é estares a dormir na tua cama e chegarem uns loucos a violentarem-te. Eu quis fundir-me nesse pesadelo, para ver o que saía daí, para ver o que podia entender e comunicar”.

Sobre os 25 mil euros do prémio, a autora disse que vai usá-los para continuar a escrever.