A obra tem por protagonista Maria Adelaide Coelho da Cunha, filha de Eduardo Coelho, que, em 1918, aos 48 anos, abandonou o marido e a casa da família, no palácio de S. Vicente, na Graça, em Lisboa, para ir viver "para uma aldeola perdida" com o seu motorista de 26 anos, um caso que "ultrapassa a ficção", como disse à agência Lusa a autora, e que levou à detenção dos protagonistas.
A primeira edição de "Doida não e não!" data de março de 2009, e regressa aos escarapates das livrarias este mês, sendo apresentada na sexta-feira, dia 23, às 18:00, no auditório Armando Guebuza da Universidade Lusófona, em Lisboa, numa sessão em que participa a autora, o vice-reitor da Universidade Lusófona, Carlos Poiares, a diretora executiva de Conteúdos da SIC, Júlia Pinheiro, o escritor Luís Filipe Sarmento e a cineasta Monique Rutler.
Em declarações à Lusa, a escritora disse que, "na posse de mais dados", resultado do acesso à biblioteca do palácio de S. Vicente, onde Maria Adelaide Coelho da Cunha viveu, e da descoberta de papéis guardados num fundo falso de uma escrivaninha, permitiram "tecer e cruzar" factos e "encontrar uma lógica" para os acontecimentos, "como se de uma tapeçaria se tratasse".
"A imaginação é mais pobre que a realidade que lhe é dada pela 'cornucópia' de acontecimentos rocambolescos em torno do caso", frisou. Manuela Gonzaga não tem dúvidas: "Foi de facto uma história de um grande amor".
Maria Adelaide Coelho da Cunha "abandonou tudo, riqueza e posição social, pelo motorista, Manuel Claro". "Enfrentou o marido, foi uma luta de titãs. E, contra tudo e todos, foi viver com Claro”, disse.
O caso fez 'correr tinta' nos jornais, levou à publicação de vários livros e foi manchete nos jornais da época, em 1918-1919, quando a “gripe espanhola” ceifava vidas e a Grande Guerra preocupava uma República ainda recente.
Para Manuel Claro, Maria Adelaide, rica herdeira do Diário de Notícias e muito estimada nos círculos literários e mundanos da capital, "foi a mulher da sua vida".
O motorista, referiu Manuela Gonzaga, podia ter refeito a sua vida no Brasil, "onde tinha familiares abastados", mas recusou, "por amor a ela, pois estava interditada e não o poderia acompanhar".
"Ele esteve preso quatro anos e, depois, voltou para ela que aliás o visitou [na prisão] disfarçada de lavadeira", contou a autora.
"Esta é uma verdadeira paixão, ele foi-lhe sempre fiel, apesar dos obstáculos, e ela não era uma menina, foi sempre envelhecendo e não tinha já fortuna", enfatizou.
A senhora de São Vicente, como era citada Maria Adelaide, "a dado passo e para todo o país, era bem claro que nada tinha de louca".
O título "Doida não e não!" tem origem numa argumentação de Maria Adelaide Coelho de Cunha, contra o marido, Alfredo da Cunha, que defendia a declaração de insanidade da mulher, em vésperas de ser dado como herdeiro do sogro, Eduardo Coelho, proprietário do Diário de Notícias.
O livro resulta de cerca de dois anos de investigação, da análise de "centenas de pastas", designadamente, pelo acesso que foi facilitado à biblioteca do palácio pelos atuais proprietários que nada têm a ver com Maria Adelaide ou o seu primeiro marido.
"A própria Maria Adelaide escreveu dois livros, publicou crónicas, o marido respondeu... Li relatórios médicos, cartas e até pequenos apontamentos domésticos", explicou a autora.
A sua preocupação foi "enquadrar, na época, Maria Adelaide". "Esta não é a história de uma mulher, é uma história de vários homens, de uma sociedade, de uma época", acrescentou.
O caso envolveu toda sociedade, incluindo nomes de referência como João Azevedo das Neves, Egas Moniz, Sobral Cid, Júlio de Matos, Leonardo Coimbra, Lourdes Feyo.
"Havia que equacionar esta realidade: Que senhora é esta que, de repente, em 1918, e após 28 anos de um casamento feliz, troca de roupa e vai para uma aldeola perdida por amor a um jovem de 26 anos?", perguntou.
"Este romance abalou a sociedade portuguesa e procurei trazê-lo aos dias de hoje, num discurso fluente que não fosse maçador e que levasse as pessoas a acompanhar a vida dela", disse.
Para autora, o seu livro de 400 páginas é "uma janela aberta sobre o quotidiano da primeira metade do século XX".
A obra também será apresentada no dia 28 de fevereiro, pelas 18:00, no Porto, no Centro Hospitalar Conde de Ferreira, onde Maria Adelaide foi internada. A sessão conta com o psiquiatra Adrían Gramary, com Aida Suárez Gutierrez, da Confraria Vermelha-Livraria de Mulheres, e com Sofia Teixeira, do blogue Bran Morrighan.
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