“Procurei mostrar através deste livro uma das muitas sequelas que a guerra deixou nos homens que participaram nela, afinal foram preparados/treinado para a guerra, instruídos para desempenhar determinadas missões, e quando foram desmobilizados, ninguém os treinou para viverem num contexto de paz”, afirmou à agência Lusa António Brito.
“De alguma forma perderam-se na rotina dos dias, na banalidade dos dias, e este é um aspeto que ainda hoje, passados 30/40 anos de terem estado em África, ainda andam por aí, com problemas, com ‘stress’ de guerra, sem grandes apoios, com grandes problemas em conviver com a família e com as pessoas que estão à volta deles”, acrescentou.
O romance “Irmãos de Guerra”, editado pelo Clube do Autor, narra a história dos “Rolling Stones”, nome de código de um grupo de seis homens com aptidões especiais, capaz de viver no meio do inimigo e que atuou durante meses no norte e oeste de Moçambique, e por vezes fora das fronteiras.
“Eles tinham todas as competências para realizar a guerra, de facto com aptidões especiais, mas depois não tinham o resto”, disse.
O livro, referiu o autor, tem três partes – as origens das personagens; o seu encontro no centro de treino no Dondo, próximo da cidade moçambicana da Beira, e o período de guerra; e, finalmente, a desmobilização.
Os seis militares estabelecem entre si “uma fraternidade de homens, uma ligação entre si que é superior a qualquer relação familiar, e acabam por combater por eles, independentemente da bandeira ou da pátria, que eram elementos muito remotos, aos quais não ligavam muito”.
Aos seis homens correspondem “seis personagens femininas, que são as mulheres que o amaram ou aparam, cada com uma natureza diferente, são mulheres, namoradas, irmãs, mães”. As personagens masculinas são de origens rurais, à exceção do piloto de helicóptero apelidado de ‘príncipe’ pelos camaradas de armas, porque lê Maquiavel, e é oriundo de uma família abastada da região duriense.
“No fundo eram um só com seis corações a bater, que é desmembrado quando regressa, tendo feito grandes feitos não são capazes de fazer uma vida normal, o casar, ter filhos, ir ao pão, frequentar o café”, acrescentou.
No livro "ressalta a presença do elemento feminino, nomeadamente na terceira parte do livro", sublinhou o autor, adiantando que é às personagens femininas que cabe a "ajuda e apoio aos desmobilizados, à maneira como eles refletem, e de alguma forma, são elas que vão fechar o círculo que se abriu com a infância deles".
O autor, advogado de profissão, reconhece que os três anos em que foi paraquedista em Moçambique, no cenário de guerra, não são alheios à narrativa detalhada dos atos de guerra, onde “se cometem as maiores violências, mas também dos mais elevados atos de altruísmo”, todavia recusou que através da literatura possa funcionar para si como uma catarse.
“O que eu quero é dar visibilidade a muitos destes homens, a guerra mobilizou só no continente e ilhas cerca de um milhão de homens, e por outro lado, ter uma visão desta guerra que não fosse maniqueísta, como aconteceu antes do 25 de Abril de 1974, em que os portugueses eram os bons, ou logo no pós 25 de Abril, em que nós, portugueses era-mos entendidos como quem tudo tinha destruído. Eu escrevi sem me preocupar com o ‘politicamente correto’ e apenas dar cor, voz e vida a esses cerca de um milhão de homens, até porque a guerra em si mesma não me interessa por aí além”, rematou.
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