A peça, escrita por Doug Wright e galardoada com um Pulitzer em 2004, conta a história de Charlotte von Mahlsdorf, nome adotado por Lothar Berfelde, nascido a 18 de março de 1928, na Alemanha.

Charlotte era um travesti conhecido na Alemanha, que atravessou o nazismo e depois o comunismo, na então República Democrática da Alemanha (RDA) e que fundou o Museu Gründerzeit, em Berlim, com peças que foi adquirindo e colecionando sobre o quotidiano do século XX.

Para Carlos Avilez, diretor artístico do TEC e encenador da peça, Charlotte von Mahlsdorf foi uma personagem “de grande liberdade”, que tinha a noção “de que as pessoas devem ser felizes, devem ser livres”.

Avilez frisou o que von Mahlsdorf defendia: “O respeito que temos de ter por cada um de nós”.

Uma “personagem fascinante”, que tem um museu e uma rua com o seu nome, e que “não faz apologia nenhuma de nada e faz apologia de tudo”, indicou.

Era uma mulher simples, “que se vestia com um vestidinho, um colar de pérolas e que foi condecorada”, observou.

Uma personagem “extraordinária”, que morreu em 2002, e que agora chega ao palco do Teatro Municipal Mirita Casimiro, interpretada por Marco de Almeida, um “grande e maravilhoso ator”.

O cenário fixa-se no museu em Berlim, ao qual promoveu visitas guiadas enquanto conseguiu mantê-lo aberto.

Da autoria do dramaturgo norte-americano Doug Wright, a peça estreada em 2003 e que em 2004 valeu ao autor o prémio Pulitzer na categoria de drama, já foi representada em Portugal, no Porto, pela companhia Seiva Trupe.

Representada na Broadway e fora dela, conquistou inúmeros prémios, chegando agora ao palco do TEC por proposta de Marco de Almeida e Carlos Avilez, na casa onde o ator começou a representar e sete anos depois de aí ter interpretado “Macbeth”.

Filha de um membro do partido nazi, Charlotte von Mahlsdorf sempre se identificou com o corpo feminino. Todavia, o seu pai, que queria que fosse soldado, forçou-a a integrar a juventude hitleriana, o que acabou por acontecer em 1942.

Charlotte acabaria depois por matar o pai enquanto este dormia, após a cidade de Berlim ter sido evacuada, a mãe ter sido obrigada a abandoná-la e o pai ter obrigado o filho a defender a família com uma arma.

Em janeiro de 1945 e depois de várias semanas numa clínica psiquiátrica, Charlotte foi condenada a quatro anos de prisão por delinquência juvenil antissocial.

Apaixonada por relógios, espelhos, roupas, móveis e aparelhos de som, que foi adquirindo, em 1960 abriu um museu com objetos de uso quotidiano colecionados a partir de casas bombardeadas durante a Segunda Guerra Mundial.

Charlotte von Mahlsdorf liderou também um clube clandestino no porão do prédio que hoje abriga o museu, onde, a partir de 1970, se realizaram vários encontros e celebrações da comunidade LGBT da Alemanha Oriental.

Em 1974, contudo, as autoridades da RDA reclamaram o controlo estatal do museu e do acervo, o que levou Charlotte a doar bens da coleção a visitantes como forma de protesto.

Dois anos depois, o museu voltou à gestão de Charlotte, mas, em 1991, o edifício e o acervo foram vítimas de ataques de neonazis.

Foi nessa altura que visitas ao museu foram limitadas e a sua fundadora começou a pensar em abandonar a Alemanha. Em 1995, o museu foi fechado e a proprietária mudou-se para a Suécia com algumas peças com que, dois anos mais tarde, abriria um novo museu.

Parte da coleção deixada por Charlotte von Mahlsdorf na Alemanha foi adquirida pela cidade de Berlim, que reabriu o museu em 1997.

Para Carlos Avilez, é preciso “uma grande coragem para uma pessoa com uma grande carreira, como é o caso do Marco, fazer 35 personagens vestido de mulher”.

“Um brinde e um desafio perigoso para o ator, mas que “está ganho em absoluto porque ele faz brilhantemente”, afirmou, concluindo tratar-se de um “ator enorme” e “maravilhoso” a interpretar as 35 personagens.

Com tradução de Miguel Graça, a peça tem cenografia e figurinos de Fernando Alvarez, desenho de luz de Paulo Santos e está em cena até 27 de março, com sessões de quarta-feira a sábado, às 21h00, e, ao domingo, às 16h00.