Ficou para o fim de agosto a grata surpresa de um dos melhores cartazes de música (alternativa) a passar por Lisboa este ano. Com um elenco de luxo, no primeiro dia quase duas dezenas de artistas passaram pelos três palcos do MEO Kalorama.

No Palco MEO, o português Rodrigo Leão teve a tarefa de abrir o certame. Curiosamente, a sua música intimista e de tons clássicos, eventualmente não indicada para um evento desta natureza, funcionou lindamente – embalando um fim de tarde ameno no irrepreensível verão lisboeta. Com violinos, sopros e vozes a acompanhá-lo, recebeu ainda o Coro Juvenil da Universidade de Lisboa e o grupo de espectadores que se alinhavam perto do palco conferiu cumplicidade às belas canções levadas a palco.

A ponte entre o atmosférico e a eletrónica pura e dura que dominaria a noite começou a ser feita nas curvas e contracurvas abruptas da música de James Blake. Com muitos fãs presentes, o britânico focou-se, de modo geral, nas baladas, recebendo efusivos aplausos de um notório séquito de fãs que marcou presença. Igualmente bem acolhidos, os conterrâneos Years and Years, hoje um projeto individual de Olly Alexander, também ajudaram a tornar o Palco MEO no espaço mais memorável deste primeiro dia.

Kraftwerk no MEO Kalorama: o concerto em fotos
créditos: Tomás Soares Nogueira

Com a noite já estabelecida, o Palco Colina recebia os Kraftwerk. Como sempre, os alemães continuam a operar saudavelmente sobre o seu heróico passado de pioneiros – aliás, é de pensar que foram mesmo os patriarcas de quase tudo que se passou no MEO Kalorama na sua primeira noite.

Infelizmente, o grau de foco e intimidade do público não foi o mesmo do espetáculo do grupo em Cascais há três anos – onde era o principal chamariz. Para isso certamente não contribuiu o volume do som muito baixo – algo talvez explicado por um conflito fatídico com a música que emanava do Palco MEO e que levou à interrupção da atuação dos 2ManyDJs e Tiga – e a um pedido de desculpa da organização do festival.

Kraftwerk no MEO Kalorama: o concerto em fotos
créditos: Tomás Soares Nogueira

Também a partir das 22h00, Jake Shears levou ao Palco Futura algumas canções inéditas - "apresentadas aqui pela primeira vez", salientou -, e clássicos da sua antiga banda, os Scissor Sisters. As segundas foram substancialmente mais celebradas do que as primeiras, embora a atuação do nova-iorquino nunca tenha abandonado o tom festivo nascido de uma fusão contagiante de disco, glam ou electro.

Apesar de já contar um álbum de estreia em nome próprio no currículo (homónimo, editado em 2018), o norte-americano deu prioridade ao futuro e ao passado mais remoto, com as novidades a seguirem um caminho mais frenético e sintético do que os originais a solo até aqui e revisitações de “Invisible Light”, “I Don't Feel Like Dancin” ou “Filthy/Gorgeous” a deixarem saudades de o voltarmos a ver ao lado de Ana Matronic, Babydaddy e Del Marquis - por muito que os músicos que o acompanharam e o público que o recebeu se tenham mantido à altura do seu entusiasmo.

A fechar o Palco MEO, os Chemical Brothers foram, indiscutivelmente, os reis da noite – e foi para os ouvir que parte considerável dos espectadores compareceu. Com a sua eletrónica “violenta” e um portentoso jogo de luzes, os britânicos embarcaram num “set” ininterrupto e sem conversas com o público - no verdadeiro espírito de um tipo de comunhão com a audiência radicalmente vincada apenas na música. Outra lição, aliás, dos Kraftwerk.

The Chemical Brothers
créditos: Tomás Soares Nogueira

De resto, o famoso duo de Manchester (Tom Rowland e Ed Simons), por esta altura com três décadas de carreira, não se mostrou interessado em tocar versões canónicas dos seus clássicos. Assim, da abertura a todo gás com a sensacional “Block Rockin’ Beats” até ao encerramento com a genial (e galvanizante) “Galvanize”, passando por “Electrobank”, “Do It Again”, “Setting Sun” ou “Star Guitar”, entre muitas outras, as canções surgiram sempre fragmentadas, aos pedaços, secundadas pela agressiva e monocórdica pancadaria eletrónica e um aparato visual de primeira linha, imaginativo e capaz de seduzir mesmo quem não fosse o maior adepto ou conhecedor da música.

Mais desapontante, a atuação dos Moderat, já no início da madrugada, voltou a dar conta das limitações do Palco Colina. Apesar de muito concorrido, o concerto do projeto que junta os alemães Apparat e Moderat foi seriamente prejudicado por um som distorcido, numa experiência frustrante para os que queriam apreciar a recomendável música de dança melancólica do projeto. Ficam os sentidos votos de melhoras para este palco no segundo dia, esta sexta-feira, no qual o MEO Kalorama acolhe os Arctic Monkeys, Róisín Murhy, Jessie Ware, Bonobo ou os portugueses The Legendary Tigerman, Bruno Pernadas, Golden Slumbers e You Can't Win, Charlie Brown.