O aclamado escritor britânico Martin Amis morreu aos 73 anos na sua casa em Lake Worth, na Flórida, noticiaram este sábado o jornal americano The New York Times e meios da comunicação social britânicos.
A esposa de Amis, Isabel Fonseca, disse à imprensa que o autor de obras perspicazes e mordazes como "Dinheiro" e "A Zona de Interesse", entre outros, morreu na sexta-feira em consequência de um cancro do esófago.
Martin Amis foi um leão literário de segunda geração que, durante a sua carreira, não só igualou seu ilustre pai, Kingsley, mas até o superou durante algum tempo.
A imprensa britânica descreveu-o como o "definidor de uma era".
Amis pertenceu a uma geração reconhecida de escritores britânicos, que inclui também Salman Rushdie, Ian McEwan e Julian Barnes, fundamental para compreender a literatura britânica dos anos 1980.
O romance de 1984 "Dinheiro" foi considerado um dos 100 melhores romances em língua inglesa pelo crítico do Guardian Robert McCrum, que referiu que a obra "define uma era e continua a ser um dos romances dominantes da década de 1980".
"O dinheiro não se importa se dissermos que é mau, ele vai de força em força. É uma ficção, um vício e uma conspiração tácita", disse ele, na publicação "Novelists in Interview", um ano após o lançamento.
Descrevendo a ganância egoísta na Grã-Bretanha 'thatcherista' e nos EUA sob Ronald Reagan, "Money: A Suicide Note", segundo o título original completo, é considerado um dos romances em inglês mais marcantes, perspicazes e mordazmente engraçados do século XX.
A história acompanha "um alcoólico semi-analfabeto", John Self, um executivo de publicidade com apetite por pornografia, drogas e 'fast food', enquanto se divide entre Londres e Nova Iorque numa tentativa para fazer um filme.
As personagens ficam na fronteira da caricatura, mas a linguagem é afiada e viva, e a comédia é tão sombriamente amarga como o que quer que o seu pai tenha escrito.
Indiscutivelmente, é o 'tour de force' no cânone Amis, embora alguns possam argumentar o mesmo pelo seu romance de 1989 "London Fields" ou por "A Seta do Tempo" de 1991, que tem uma narrativa invertida - incluindo diálogo ao contrário -, já que pretende ser a autobiografia de um médico alemão nazi de um campo de concentração.
"A Seta do Tempo" foi finalista para o Booker Prize, um prémio que lhe escapou ao longo da carreira.
Numa estranha coincidência, Amis morreu no mesmo dia era apresentada no Festival de Cannes a antestreia mundial da adaptação do seu romance "A Zona de Interesse", que revela a banalidade diária das pessoas responsáveis por Auschwitz, retratando a vida do comandante do campo de concentração e da sua família numa confortável casa com um enorme jardim bem ao lado do campo de extermínio.
O filme, realizado pelo britânico Jonathan Glazer, foi aclamado pelos críticos, que o elegem como um dos primeiros favoritos à Palma de Ouro.
"O romance é um retrato incrivelmente íntimo de um escritor", disse Amis certa vez à BBC, relembrando a sua carreira.
"Embora eu não seja um escritor autobiográfico, estou em todos os meus livros", notava.
Raízes literárias
Martin Louis Amis nasceu em Oxford a 25 de agosto de 1949, o segundo de três filhos que Kingsley Amis teve com a sua primeira esposa, Hilary Bardwell.
Kingsley era uma figura gigantesca no mundo literário durante os primeiros anos de vida de Martin, aproveitando o sucesso de seu romance de 1954 "A Sorte de Jim". Isso levou a família para Princeton, nos EUA, onde lecionou e viveu de acordo com a imagem do mesquinho amargo que cuidadosamente construiu.
Martin Amis regressou a Oxford para estudar na Universidade de Exeter, onde se licenciou, com distinção, em Filologia Inglesa.
O autor atribuiu o seu interesse pela literatura à sua madrasta, a romancista Elizabeth Jane Howard. Em 1973, publicou o publicou o seu primeiro romance, "Os Papéis de Rachel", quando trabalhava como editor assistente no suplemento literário do "The Times". Ganhou o Prémio Somerset Maugham no ano seguinte.
Em 1975, "Dead Babies" marcou o seu primeiro namoro com o humor mórbido.
Nos anos seguintes, teve algum impacto com "Sucesso" e "Outras Pessoas", antes de atingir o grande momento com "Dinheiro", "London Fields" e "A Seta do Tempo".
Foi o terceiro da sua trilogia londrina, "A Informação", publicado em 1995, que o fez aparecer nas colunas dos tabloides.
A razão foi o dinheiro.
Amis recebeu um adiantamento de 500 mil libras, que coincidiu com a sua decisão de deixar a sua agente, Pat Kavanagh, esposa de um dos seus melhores amigos, o também romancista Julian Barnes.
Isso causou uma cisão entre os dois escritores.
Por esta altura, Amis já deixara a sua primeira esposa Antonia Phillips, uma académica americana, com quem teve dois filhos, para iniciar o relacionamento com Isabel Fonseca, uma herdeira que o entrevistara. Casaram em 1996.
Opiniões divididas
A década de 1990 foi o auge dos poderes literários de Amis, mesmo quando ele era acusado de misoginia e, mais tarde, islamofobia (por ter dito que "os muçulmanos deviam pôr ordem na sua própria casa") - alegações que rejeitou firmemente.
“Não me considero apenas feminista, mas também um ginocrata”, disse em 2018.
“Desejo uma utopia em que as mulheres estejam na liderança", garantia.
Outra polémica foi a sua defesa de "cabinas" de suicídio nas ruas, para fazer face ao envelhecimento da população britânica.
"O Cão Amarelo", o seu romance de 2003, chegou à lista do Booker Prize, mas foi amplamente ridicularizado, de forma memorável, por outro romancista britânico, Tibor Fischer, que escreveu numa crítica que era de tal forma mau que era "como o teu tio favorito ser apanhado no recreio de uma escola a masturbar-se".
Amis e Fonseca, que tiveram duas filhas, passaram a viver em Brooklyn (Nova Iorque), onde em 2010 compraram a sua casa por 2,5 milhões de dólares. Também tinham residências em Londres e no Uruguai.
Além de uma série de romances, Amis escreveu duas coleções de contos, seis livros de não ficção e um livro de memórias.
Mas, para muitos fãs, o brilhantismo mordaz de "Dinheiro" faz dele o seu grande romance, refletindo talvez as próprias opiniões de Amis sobre a sua perda gradual de capacidades.
"A idade enfraquece o escritor", escreveu em 2009 numa crítica literária na imprensa a uma obra de John Updike.
"O destino mais terrível de todos é perder a capacidade de dar vida às suas criações", acrescentava.
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