Com mais de 60 obras pertencentes a colecionadores particulares, muitas delas nunca vistas pelo público, a mostra inaugurada a 1 de abril na Casa-Museu Teixeira Lopes/Galerias Diogo de Macedo, fica patente até 18 de junho.
“Esta exposição é nova para mim e totalmente inédita. É surpreendente até”, disse aos jornalistas o artista que, aos 96 anos, se divide entre Paris (França), para onde foi morar em 1958, e Sintra, onde diz ser “o mais antigo operário” da Viúva Lamego, fábrica-ateliê que se dedica ao azulejo português.
Manuel Cargaleiro, ou Mestre Cargaleiro como também é conhecido, apresentou “Pintar a Luz, Viver a Cor”, uma retrospetiva da sua pintura a óleo e deu a conhecer as suas “inquietações” sobre o mundo atual, embora frisasse sempre: “Só quero transmitir otimismo”.
“Quando me sento no cavalete de manhã, tento exprimir aquilo que sou, e o mundo está cheio de coisas horrorosas que metem medo, mas não quero transmitir isso. Quero transmitir o que é belo e bom”, referiu.
Através de uma mostra que procura percorrer as principais etapas pictóricas do trajeto de Cargaleiro, “Pintar a Luz, Viver a Cor” reúne obras dos anos 60, composições de pequenas dimensões, muito inspiradas no mundo vegetal, com fundos tendencialmente monocromáticos, e pinturas dos anos 2000 com telas onde as camadas de óleo têm mais espessura e densidade.
A exposição inclui obras dos anos 70, altura em que a verticalidade começou a aparecer na pintura de Cargaleiro, ou dos anos 80, época marcada pelos corredores azuis e pelas formas rigorosas, bem como pelos ano 90, altura em que o artista introduziu novos elementos na sua expressão artística.
“Gostei muito de reencontrar quadros meus que fiz há 30 ou 40 ou 50 anos. Nunca mais os vi. A forma como esta exposição está montada é uma novidade em Portugal”, disse o artista que cria ao som de Mozart e, em Paris, se cruzava “lá no bairro com o génio Picasso”, com quem nunca falou porque “um garoto não sabia o que perguntar a quem já sabia tudo”.
Manuel Cargaleiro, que elogiou o contraste de luz e branco/preto da mostra patente em Gaia, no distrito do Porto, também aproveitou para desafiar os presentes a refletir sobre a arte.
“Hoje há duas correntes: a destrutiva e a dos otimistas. Eu estou 100% do lado do positivo”, referiu, rejeitando a ideia de que é um artista de sucesso porque sente que viveu “escondido” e “popular” é “só” quando está “com o povo”.
Perante jornalistas e admiradores, Manuel Cargaleiro contou que “começou a vender bonecos a 100 e 200 escudos” na antiga Livraria Guimarães, da Guimarães Editores, na rua da Misericórdia, em Lisboa, e que “começou a vida como ceramista sem saber” quando ia aos correios na Caparica (em Almada), onde os pais agricultores tinham uma quinta, e ao lado trabalhava um oleiro.
Ainda sobre a mostra, Cargaleiro disse estar “ainda que cheio de remendos no corpo, feliz por ter conseguido chegar a Gaia para ver uma exposição com características tão especiais” e sobre Portugal lamentou que “falte cultura e entusiasmo para aprender”. “Mas a Europa está com os olhos postos no nosso país. Não há ninguém lá fora que não diga que quer morar aqui. Mas sim, é verdade, há muita pobreza e isso inquieta-me. Tento manter-me positivo, mas inquieta”, desabafou.
Com curadoria de Nuno Cardoso a exposição inclui cinco obras que fizeram parte de uma mostra patente na Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris.
Em comunicado, a o presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, refere que “Manuel Cargaleiro brinda [os visitantes] com uma simplicidade que marca e que transporta para um amor pela arte que poucos têm”.
Com uma obra fortemente inspirada no azulejo tradicional português, Manuel Cargaleiro realizou, em 1952, a primeira exposição individual, no Secretariado Nacional de Informação, em Lisboa.
Também nos anos 50, apresentou as suas primeiras pinturas a óleo no Primeiro Salão de Arte Abstrata, viajou pela primeira vez para Paris, e conquistou o Prémio Nacional de Cerâmica.
Em 1955, Cargaleiro foi agraciado com o diploma de honra da Academia Internacional de Cerâmica, no Festival Internacional de Cerâmica de Cannes, em França.
Até ao final da década de 1970 realizou diversas exposições individuais, designadamente em Lisboa, em Paris, no Brasil, em Tóquio, em Milão, em Lausanne, e no Porto, e também coletivas, em Almada, Genebra, Rio de Janeiro, Osaka, e em Seul.
Em 2017, no exato dia do seu 90.º aniversário, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, condecorou-o com a Grã-Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique, classificando-o, de "artista completo".
A exposição pode ser visitada de terça-feira a domingo, das 9h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30.
Comentários