O escritor tanzaniano Abdulrazak Gurnah, hoje distinguido com o Prémio Nobel da Literatura, aos 73 anos, dedicou todo o seu trabalho e obra aos legados do colonialismo, exílio e dos refugiados, temas que refletem a sua própria experiência de vida.

O galardão foi atribuído a Gurnah “pela sua penetração descomprometida e compassiva dos efeitos do colonialismo e do destino dos refugiados no espaço entre culturas e continentes”.

Segundo a Academia Sueca, “a dedicação de Gurnah à verdade e a sua aversão à simplificação são impressionantes. Isto pode torná-lo sombrio e intransigente, ao mesmo tempo que segue os destinos dos indivíduos com grande compaixão e compromisso inflexível”.

Os seus romances “recuam das descrições estereotipadas” e abrem o olhar do leitor para uma África Oriental culturalmente diversificada, desconhecida de muitos em outras partes do mundo.

A academia destaca ainda, na sua obra, “uma exploração interminável impulsionada pela paixão intelectual”, que está presente em todos os seus livros, e de forma tão proeminente no seu mais recente romance, “Afterlives”, como quando começou a escrever, como um refugiado de 21 anos.

Mats Malm, secretário permanente da Academia Sueca, ao anunciar Abdulrazak Gurnah

Abdulrazak Gurnah nasceu (em 1948) e cresceu em Zanzibar, na Tanzânia, mas chegou a Inglaterra como refugiado no final da década de 1960.

Após a libertação pacífica do domínio colonial britânico, em dezembro de 1963, Zanzibar passou por uma revolução que, sob o regime do Presidente Abeid Karume, levou à opressão e perseguição de cidadãos de origem árabe, e à ocorrência de massacres.

Abdulrazak Gurnah pertencia ao grupo étnico vitimizado e, depois de terminar a escola, foi forçado a deixar a sua família e a fugir do país, a recém-formada República da Tanzânia. Tinha então dezoito anos de idade.

Só em 1984 lhe foi possível regressar a Zanzibar, o que ainda lhe permitiu ver o pai pouco antes de morrer.

Até se reformar, recentemente, Gurnah foi professor de Literaturas Inglesas e Pós-coloniais na Universidade de Kent, em Canterbury, concentrando-se principalmente em escritores como Wole Soyinka, Ngũgĩ wa Thiong'o e Salman Rushdie.

Ao longo da sua carreira literária, publicou dez romances e uma série de contos. O tema da perturbação dos refugiados atravessa todo o seu trabalho.

Começou a escrever quando tinha 21 anos, no exílio inglês, e embora o suaíli fosse a sua primeira língua, o inglês tornou-se a sua ferramenta literária.

De acordo com o próprio, em Zanzibar o seu acesso à literatura em suaíli era praticamente nulo e a sua escrita mais antiga não podia contar como literatura.

A poesia árabe e persa, especialmente “As mil e uma noites”, foram uma fonte precoce e significativa para o escritor, assim como os capítulos do Alcorão, mas a tradição inglesa, desde Shakespeare a V. S. Naipaul, marcaria especialmente o seu trabalho.

Na sua obra, Gurnah rompe conscientemente com a convenção, alterando a perspetiva colonial, para destacar a das populações indígenas.

Em todo o seu trabalho, o autor esforçou-se por evitar a nostalgia omnipresente de uma África pré-colonial mais primitiva, já que a sua própria origem é uma ilha culturalmente diversificada no Oceano Índico, com uma história de tráfico de escravos e várias formas de opressão sob uma série de potências coloniais – portuguesa,
indiana, árabe, alemã e britânica - e com ligações comerciais com o conjunto do mundo.

A escrita de Gurnah é do seu tempo no exílio, mas diz respeito à sua relação com o lugar que abandonou, demonstrando a importância vital da memória para a génese da sua obra.

A sua estreia no romance acontece com “Memory of Departure”, de 1987, trata de uma revolta fracassada e situa-se no continente africano.

No segundo trabalho, “Pilgrims Way”, de 1988, Gurnah explora a realidade multifacetada da vida no exílio, ao passo que o terceiro, “Dottie” (1990), traça o retrato de uma mulher negra descendente de imigrantes a crescer em condições duras, na Inglaterra dos anos 1950.

O quarto romance de Gurnah, “Paradise” (1994), a obra que o revelou como escritor, evoluiu de uma viagem de investigação à África Oriental por volta de 1990, e inclui uma referência óbvia a Joseph Conrad.

No tratamento da experiência dos refugiados de Gurnah, o foco é a identidade e a autoimagem, temas abordados em “Admiring Silence” (1996) e “By the Sea” (2001).

Este último, é o único romance de Abdulrazak Gurnah publicado em Portugal: foi editado pela Difel, em 2003, com o título “Junto ao mar”.

As personagens itinerantes de Gurnah encontram-se num espaço entre culturas e continentes, entre uma vida que foi e uma vida que emerge.

Este estado de insegurança é abordado, nomeadamente, em “Desertion” (2005), romance que usa uma paixão trágica para iluminar as vastas diferenças culturais na África Oriental colonizada.

“The Last Gift”, de 2011, aborda novamente o tema do exílio nas suas múltiplas facetas, ao passo que em “Gravel Heart" (2017), Gurnah desenvolve ainda mais o tema do confronto de um jovem com o mal e com o ambiente circundante maligno e incompreensível.

O último romance de Gurnah, “Afterlives”, de 2020, retoma a história de “Paradise” no ponto em que acaba: o cenário é o início do século XX, um tempo antes do fim da colonização alemã da África Oriental em 1919.

Abdulrazak Gurnah tornou-se hoje o segundo autor negro africano a ser reconhecido pela Academia Sueca, depois do nigeriano Wole Soyinka, entre os 118 autores a quem foi atribuído o Nobel da Literatura.

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