Aos 38 anos, Gerald Mugwenhi constrói poemas sob o nome artístico de Synik para desconstruir sobre batidas sentimentos complexos como a saudade, a frustração de um país fraturado e explorado e fé num futuro incerto ligado por cordão umbilical ao passado e à “terra-mãe África”.

O também ativista social utiliza a palavra ‘broken’, que numa tradução livre para o português pode significar ‘quebrado’, ‘fragmentado’ ou ‘fraturado’, mas também ‘partido’, ‘frágil’ e outros sentidos, dependendo do contexto.

“O conceito original do álbum incluía músicas que se focavam em coisas como depressão, adição, a situação política no Zimbabué e isso pode ser interpretado como uma espécie de fratura. A vida pode fazer com que alguém se sinta quebrado de várias formas. Mas é também importante notar que essa fragilidade pode ser ilusória e não precisa de ser interpretada como um estado permanente”, começou por explicar, em entrevista à agência Lusa.

Este “A Travel Guide for the Broken” (“Um Guia de Viagem para os Fraturados”, tradução livre de inglês), maioritariamente em inglês, conjuga ainda três línguas bantas: xona (norte do Zimbabué e províncias de Moçambique), ndebele (África do Sul) e quimbundo (Angola).

A faixa de abertura “Rukuvhute” (“Cordão umbilical”, em língua xona) é uma homenagem aos imigrantes africanos, “divididos entre a viagem que está à sua frente e a que deixaram para trás”, mas Synik sublinhou que essas “circunstâncias particulares” são as suas e não quer “falar em nome de todos, porque não existe uma experiência universal”.

“Uma das ideias condutoras nesse tema era expressar a noção de entrar no desconhecido, enfrentar o que quer que possa vir – porque o lar já não é um ambiente conducente – e ficar dividido entre dois mundos em resultado disso. No entanto, estava também preocupado que as perspetivas através das quais narrei este álbum perpetuassem uma narrativa singular das pessoas que saem do continente africano e as razões pelas quais o fazem”, admitiu.

Como exemplo, referiu ter amigos que abandonaram o Zimbabué como expatriados e que, apesar de haver algum paralelismo entre as experiências, “é totalmente diferente de alguém que saiu como migrante e, como tal, pode não se relacionar com o sentimento de ‘entrar no desconhecido’”.

“Penso que há pessoas que se vão rever na música e outras não. Para mim, o principal sentimento de agora pertencer à diáspora é existir entre dois mundos, mas não pertencer completamente a nenhum deles. Talvez seja algo que desvaneça com o tempo, ainda estou para descobrir”, ponderou.

Apesar de não ter procurado “intencionalmente ligar a noção de fragmentação à história do Zimbabué, o presente do país, que se pode descrever como ‘quebrado’, é algo que tem as raízes no passado da nação”.

“[No tema] “Something More” escrevi [uma linha] inspirado por uma ‘hashtag’ [na rede social Twitter], #HowTheyRobbedUs [‘#ComoElesNosRoubaram’], em que os zimbabueanos recontam o que nos foi roubado ao longo de anos de declínio político e económico e, um dos temas referidos por muita gente, era o das famílias separadas de membros que partiram para fazer parte de uma sempre crescente diáspora. Por isso, muitos de nós carregamos connosco esse sentimento de termos sido roubados”, relatou.

Depois do sucesso do primeiro longa-duração “Syn City” (2012), que convenceu a crítica com três galardões nos Prémios de Hip-Hop do Zimbabué, incluindo o de Melhor Álbum, o ‘rapper’ mudou-se para Portugal em 2016, somando colaborações com artistas portugueses como Jazzafari, f.e.r.a. ou Lana Gasparotti, tendo ainda partilhado palco com a norte-americana Akua Naru e o sul-africano Stogie T.

“Na altura em que finalmente decidi sair de casa, Portugal era apenas a opção que funcionava e, em retrospetiva, estou contente por ter acontecido assim. Estou aqui há pouco mais de cinco anos e houve muitas experiências positivas, incluindo criar laços muito significativos. A minha entrada na cena musical tem sido através de ‘jam sessions’ e no círculo do hip-hop com ‘breakdancers’”, contou.

O novo roteiro de Synik, lançado de forma independente, é também desenhado em esforço colaborativo entre músicos de, pelo menos, 11 países, originários de quatro continentes, em ligações que vão desde os Estados Unidos à Argentina e da Finlândia a Angola.

“Estou a tentar encontrar algo objetivo que possa dizer sobre o álbum, mas é difícil separar-me do trabalho. Penso que é uma experiência que tanto é ‘hip-hop’ como é africana, mas vai além do limite de qualquer forma de música. Além da música que atravessa linhas de múltiplos géneros, o álbum é construído à volta de uma história humana que acredito que merece ser ouvida”, finalizou.