Em declarações à agência Lusa, Valter Hugo Mãe disse: “O que o livro estuda tem que ver com a evidência de que apenas o amor das mães pode ser comparado ao de Deus, isto em termos figurados, estamos a falar de uma hipótese de concebermos absolutos ou demasias”.

A trama do romance passa-se entre dois irmãos, Pouquinho e Felicíssimo, “mas o que acontece é que o irmão mais velho [Felicíssimo], às necessidades do irmão mais novo [Pouquinho], procura auferir do amor típico das mães, por isso do amor típico de Deus”.

“É como se pudéssemos estudar maneiras de aumentar de gostar de alguém e, eventualmente, não há lugar mais alto do que o afeto que as mães têm pelos próprios filhos”, sublinhou.

Se uma passagem do livro pudesse condensar o romance, seria esta: “Amamos mais o que vemos em perigo. Somos feitos para aumentar de coração perante a família que sofre. Por vezes, nem tripas levamos dentro, nem estômago ou rins. Somos tão ocupados por amar alguém que nenhuma função desempenhamos senão a de amar, e todo o nosso interior é o coração dilatado, esforçado como um touro jovem que se disfarça em nosso aspeto mais frágil”, concordou o autor.

O primeiro passo para este livro foi uma pessoa amiga do autor, “a senhora Luísa Reis de Abreu, que vive de facto na Madeira [cenário da narrativa], precisamente no Campanário”.

“Quando a conheci fui reparando os trejeitos de linguagem, que se tornam atraentes para quem escreve, é sempre um motivo de curiosidade os linguajares locais, mas depois fiquei com a ideia. […] Tornou-se uma senhora muito amiga, e que me impressionou, particularmente, pelo exercício da fé. Eu diria que não tenho conhecido ninguém, que tenha uma fé mais escorreita, mais límpida que a senhora Luísa Reis de Abreu”, afirmou à Lusa Hugo Mãe.

“O livro começa com uma necessidade de captar, de representar uma fé tão inequívoca e tão apaziguada”, realçou o autor.

Luísa Reis de Abreu é a personagem Luisinha do Guerra do romance que, segundo rescreve o romancista, “era escutada com devoção, porque os santos aprendiam por ela a santidade”.

A ilha da Madeira é apresentada pelo autor como um ambiente exótico: “Eu queria muito traduzir a impressão que a ilha me causa, e de facto, nós temos hoje uma imagem da ilha da Madeira como um espaço ‘domesticado’, mas é uma visão muito rápida, turística, que não corresponde de todo ao que realmente acontece, a ilha ainda tem muito de selvagem, até, mas sobretudo de indomável”.

“O livro passa-se efetivamente num lugar que existe, o Buraco da Caldeira, e é exatamente assim, algumas casas estão ao dependuro da encosta, são uns lugares que parecem habitáculos para pássaros. Não parece possível que as pessoas subam aquelas ribanceiras, e muitas vezes sem acesso automóvel”, enfatizou.

Sobre o romance, que é apresentado no próximo sábado no Porto, Valter Hugo Mãe afirmou que este será o seu “texto mais espiritual”.

“É uma tentativa de fazer as pazes com uma pulsão natural para desobedecer à racionalidade e conceber que existe algo mais para além da dimensão física, da dimensão animal”, argumentou.

O livro, “Deus na Escuridão”, é apresentado no sábado, às 16:00, no Teatro Nacional São João, no Porto, no âmbito do ciclo “Porto de Encontro”, promovido pela sua editora, com a participação do investigador Carlos Reis e leituras pela atriz Emília Silvestre.

“Deus na Escuridão” fecha a tetralogia do escritor, iniciada em 2013, que apresenta territórios insulares como cenários narrativos: “A Desumanização” foi o primeiro, passando-se na Islândia, seguiu-se “Homens Imprudentemente Poéticos” (2015), cuja ação decorre no Japão, e “As doenças do Brasil” (2021) passa-se nas ilhas da Amazónia.