A peça, uma coprodução do TNSJ com o Teatro Nacional de Bordéus em Aquitaine, França, encenada a quatro mãos por Nuno Cardoso e Catherine Marnas, no âmbito da Temporada Cruzada Portugal-França, mantém a história dos crimes da obra encenada pela primeira vez em 458 a.C., mas apresenta uma “visão mais contemporânea” que “transforma em humanos” as personagens da mitologia.

Com estreia marcada para sexta-feira, depois do cancelamento da apresentação de hoje, “Para que os Ventos se Levantem: Uma Oresteia” é, segundo o encenador português, “um espetáculo que é em si um manifesto de diálogo, de consenso, numa altura de tanta radicalização de discurso”.

A “Oresteia” original é uma trilogia de Ésquilo, composta pelas tragédias “Agamémnon”, “As Coéforas” e “As Euménides”, que conta a história da casa de Atreu e seus descendentes, começando pelo regresso triunfante de Agamémnon da guerra de Troia, para ser morto pela mulher, Clitemnestra, e pelo seu amante Egisto. As duas peças seguintes tratam da vingança dos filhos de Agamémnon Electra e Orestes, e das consequências que enfrentam devido aos seus atos.

O encenador português e também diretor artístico do TNSJ, Nuno Cardoso, teve o primeiro contacto com “Oresteia” há 20 anos: “Durante a pandemia, comecei a pensar que era interessante revisitar essa temática, sobretudo com o extremar político a que se assistia, a subida da extrema-direita, a ‘cultura de cancelamento’, a maneira como as pessoas de isolavam nas suas caixas-de-ressonância”, explicou, à margem de um ensaio aberto à imprensa.

Segundo o encenador, a sugestão de convidar o autor franco-iraniano Gurshad Shaheman para o projeto enquanto responsável pela adaptação do original de Ésquilo partiu de Catherine Marnas.

“Quando veio para a primeira reunião sugeriu o Gushard como um escritor com um olhar descentrado, no sentido que ele é, sobretudo, um refugiado iraniano que ganha nacionalidade francesa, que sentiu bastante o que é ser uma minoria, e que olhar teria esta pessoa, de uma cultura persa, em que o centro não é a Europa, sobre um texto tão matricial e sobre estas nossas preocupações na Europa”, descreveu.

Nuno Cardoso contou que no processo de criação “houve distância, houve concordância”, mas que se chegou a um resultado: “Não se pode ter um elenco francês e português, criadores diferentes, toda agente junta, com experiências tão diferentes, sem que haja diferenças e sem que a gente tente achar um consenso para criar a história”.

Para Catherine Marnas, esta nova abordagem “é uma visão feminista, pacifista e ecologista” da obra de Ésquilo, na qual “há heróis, mas de uma maneira contemporânea”, na qual as coisas não são “apenas” preto e branco.

“Isso é muito mais interessante, […] transformar as personagens da mitologia ou da nossa história, que são intocáveis, transformá-las em humanos. Outra grande transformação é o nascimento da Justiça que o autor transforma numa dúvida sobre o que fazemos com o planeta”, explicou.

No programa de sala, Marnas explicou que pretendeu com esta peça “confrontar a parte ‘bárbara’ da ‘Oresteia’”, ou seja, “Clitemnestra, por exemplo, personagem que na história tem sobretudo o papel de má: o assassínio do seu marido, depois de escolher como amante Egisto”. “Olha a grande coisa, se a compararmos com Agamémnon, que sacrificou sem remorso a filha Ifigénia e o seu exército de jovens guerreiros para resgatar Helena, desprezando todos os valores que defendemos”, escreveu a encenadora.

A encenadora francesa destacou que “Para que os Ventos se Levantem: Uma Oresteia” “é uma obra bastante ecologista porque trata também da juventude sacrificada, como Ifigénia, pelos ventos, pelos deuses, pela guerra e a obra transforma-se na questão de qual é o sacrifício de hoje em dia”.

Depois de questionar que sacrifício é aquele, Catherine Marnas deixou a resposta: “Deixar-lhes [à juventude] um planeta onde será impossível eles viverem se continuarmos assim”.

Depois da estreia em França, no começo de outubro, “Para que os Ventos se Levantem: Uma Oresteia” vai estar em cena no Porto a partir de sexta-feira e até 6 de novembro, podendo ser vista à quarta-feira, quinta-feira e sábado, às 19h00, sexta-feira, às 21h00, e domingo às 16h00.

O preço dos bilhetes varia entre os 7,50 e os 16 euros.

A peça, que tem a duração de três horas e meia, junta em palco atores portugueses e franceses e segue para uma digressão por França, com datas marcadas em Poitiers e Vire, em março e abril do próximo ano.

Com tradução de Regina Guimarães, “Para que os Ventos se Levantem: Uma Oresteia” tem cenografia de F. Ribeiro e desenho de luz de Cárin Geada.