Esta é a leitura que Pedro Penim faz da peça que encenou a partir do texto original de Paolo Genovese, “Perfetti sconosciuti”, que deveria ter-se estreado a 14 de janeiro, vésperas do novo confinamento imposto pela pandemia, que obrigou ao encerramento das salas de espetáculos.

“Perfeitos Desconhecidos” teve a sua primeira apresentação na noite de terça-feira, num ensaio solidário a favor da União Audiovisual, que encheu a sala (dentro dos limites impostos, de 50% da lotação total), e angariou 2.380 euros, de acordo com a Força de Produção, entidade que produz o espetáculo e tem a “tradição, de grande generosidade, de fazer na antestreia um ensaio, em que toda a receita reverte a favor de uma associação”, disse à Lusa Pedro Penim.

De acordo com o encenador, “achou-se justo e oportuno que revertesse em favor da União Audiovisual”, porque apesar de os teatros já estarem abertos, ainda estão em 50% da capacidade, “que é muito aquém do desejável”, e continua a haver muita gente ligada ao mundo do espetáculo “ainda sem trabalho e em situação muito difícil”.

A ideia partiu da produtora, que convidou o encenador para preparar um espetáculo, num registo diferente daquele a que Pedro Penim está habituado, já que normalmente o seu trabalho está relacionado com o Teatro Praga.

Andaram então “à volta de várias coisas” e acabaram por concordar que esta seria a melhor peça para o projeto, uma vez que “tem tido um sucesso enorme não só no teatro”, mas também no cinema - para o qual têm sido feitas várias versões, em várias línguas e em vários países – e, portanto, tinha tudo para ser adaptada também em Portugal.

Pedro Penim conta que, apesar de ter procurado algumas versões cinematográficas que lhe pareceram mais acertadas ou mais inventivas para preparar a sua adaptação, se manteve bastante fiel ao texto original de Paolo Genovese, porque, “sendo uma peça muito bem-sucedida, não valia a pena estar a mexer no que já é tão eficaz”.

O espetáculo “gira muito à volta do uso pessoal do telemóvel e de como em poucos anos se tornou o objeto principal da nossa existência e onde colocamos toda a informação da nossa vida, temos lá tudo, às vezes até coisas a mais, como se diz na peça”.

O que se propõe na história é “um jogo muito simples entre um grupo de amigos que já se conhecem há muito tempo, amigos de há anos, que decidem abrir tudo aquilo que está nos seus telemóveis e expor para esse mesmo grupo de amigos, e a partir daí começam a acontecer várias peripécias”.

“É uma peça com um ritmo bastante alucinante, onde sucedem muitas coisas e que rapidamente passa dos risos hilariantes para situações um bocadinho mais dramáticas, porque há muitas coisas que escondemos nos nossos telemóveis, cada vez mais, porque cada vez somos mais solicitados a isso, e que não partilhamos com ninguém, nem com os nossos amigos mais próximos, nem com os nossos parceiros, que é o que acaba por acontecer no espetáculo”, contou o encenador.

Apesar de ser uma comédia, a peça tem uma componente dramática e que pretende lançar no público uma reflexão.

“Essa fronteira entre o público e o privado e a maneira como os telemóveis se tornaram uma extensão do nosso próprio corpo, ou seja, quase não são um objeto externo, não só à nossa vida mas também à nossa biologia, é quase como se fosse uma extensão do nosso braço ou da nossa mão, e quando nos tiram ou quando esse objeto é posto em causa, como acontece na peça, é como se nos tirassem o chão, como se nos tirassem a nossa segurança. A reflexão é essa: até que ponto estamos a entregar a uma máquina, a um objeto tecnológico, a nossa alma”.

A originalidade do espetáculo de Pedro Penim face ao modelo original, e ao que normalmente se faz nas produções teatrais, consiste na presença de um “ecrã de vídeo, em que o público tem acesso direto ao que aparece nos telemóveis de cada uma das personagens”.

“O que quer dizer que há uma ligação muito mais imediata, o ator não precisa de dizer aquilo que recebeu, não precisa de repetir a frase, mas o publico vê imediatamente que mensagem é que recebeu, o que é que está a ver e o que é que isso depois implica no desenrolar da história”.

A cena passa-se toda na mesma sala de uma casa, onde o casal anfitrião recebe os amigos para jantar. Tudo acontece durante essa refeição e, simultaneamente, durante um eclipse lunar previsto para a mesma altura.

Pedro Penim destaca que por muito fácil que pareça montar um espetáculo, “há sempre imensas dificuldades” e este não foi exceção, não apenas por ser sempre corrido, mas pela alternância brusca de registos.

“Acho que aqui há uma questão de impor aos atores um ritmo que é muito duro para eles, porque é um ritmo de alta comédia, as pessoas riem-se muito e há mesmo essa necessidade, mas depois o registo varia e vai muito rapidamente desse riso para uma situação mais dramática, mais trágica”.

Além disso, há toda a coordenação técnica, “que também é dificílima, porque tudo o que aparece nos telemóveis não é real, há uma necessidade de coordenação técnica entre a luz, o som, o vídeo e os atores, que, para quem vê, pareça evidente, mas há um trabalho muito longo por trás desses pormenores e desses acertos técnicos, e esse é um trabalho muito emocional por parte dos atores, e que precisa desse empenho”.

Depois de o espetáculo ter estado previsto e ter sido cancelado, para toda a equipa “é um esforço gigante que se está a fazer para estrear”, realçou.

“Fazer teatro já é muito complicado, ainda por cima este é um espetáculo sem apoio direto do Ministério da Cultura, é uma iniciativa privada, e isso acresce nessa dificuldade de conseguir montar um espetáculo. Obviamente, quando temos de fechar portas, isso implica que não há receita, que todos os bilhetes que são vendidos têm de ser devolvidos ou postos à consideração do público, de querer reaver o seu dinheiro”, ou então remarcar “para data futura, mesmo sem sequer se perceber quando é que essa data será”.

“De facto, há muita frustração e uma espécie de sensação de desamparo, porque todo o apoio do Ministério da Cultura aparece sempre muito tarde e a más horas e com muitas indecisões, e isso acaba por pôr artistas, técnicos e toda a parte de gestão numa situação muito difícil”, desabafou.

De acordo com o encenador, quando foi conhecida a possibilidade de reabrir os teatros, a estreia de “Perfeitos Desconhecidos” foi imediatamente remarcada e foram dedicadas duas semanas “a relembrar tudo o que já estava ensaiado”, porque três meses fechados é “muito tempo”, e “acaba por ter o seu peso naquilo que é para fazer”.

A primeira etapa está superada, com a apresentação do ensaio solidário a “ultrapassar bastante as expectativas”.

“Sentimos que o público tinha uma verdadeira sede de espetáculos ao vivo, de uma coisa que é muito catártica que é de estarmos a rir todos ao mesmo tempo numa mesma sala, porque o riso, tal como o vírus, também é contagioso, mas num lado muito mais positivo. E esse riso coletivo acaba por nos salvar e nos fazer ficar bem-dispostos, pelo menos durante a hora e meia que o espetáculo dura”.

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