"Muitos projetos da Temporada têm a capacidade de criar um novo amanhã, que pode ser partilhado dentro de uma democracia cultural que chegue a todos. Essa é a maneira de lutar contra a xenofobia, o racismo, o antissemitismo, o populismo. Quando há igualdade de oportunidades, não se tem medo do futuro", disse Emmanuel Demarcy-Mota, diretor do Théâtre de La Ville em Paris e presidente da Temporada Cruzada França-Portugal, em entrevista à agência Lusa.

Entre fevereiro e outubro de 2022, centenas de eventos vão multiplicar-se entre 80 cidades francesas e 50 cidades portuguesas, num calendário que coincide com a presidência francesa do Conselho da União Europeia, até junho. Se a temporada era para decorrer originalmente em 2021, mas acabou por ser adiada devido à pandemia, Demarcy-Mota considera que esta mudança foi "uma ótima situação".

"Esta temporada tem uma ligação com a ideia da Europa que é fundamental. [...] Portugal e França têm uma capacidade de diálogo incrível e há várias paixões entre estes dois países. E é por isso que esta mudança de calendário acaba por ser uma ótima situação", referiu.

Mas há também uma coincidência temporal com as eleições presidenciais francesas, que acontecem já em abril.

Numa altura em que a extrema-direita está a afirmar-se cada vez mais nos dois países, o encenador quer que esta programação oponha a identidade, algo muito debatido em França, ao conceito de alteridade, criando assim "um novo humanismo".

"A temporada tem como objetivo trabalhar um novo humanismo, um humanismo para o século XXI. No humanismo que conhecemos hoje, o homem está no centro de tudo, essa ideia tem de ser modificada. Estamos no centro, mas se ocuparmos todo o centro, destruímos o resto", indicou.

A abertura oficial da temporada ao público realizou-se no sábado à noite, em Paris, com um concerto de Maria João Pires, na Philarmonie e, na véspera, um jantar no Palácio do Eliseu, a convite do Presidente Emmanuel Macron, teve a presença de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, membros do Governo e também de figuras da comunidade portuguesa.

Se o líder desta iniciativa está entusiasmado por ver uma das maiores pianistas do Mundo em Paris ou por acompanhar a criação artística do Teatro Dona Maria II, dirigido por Pedro Penim, lembra também outras vertentes da temporada, como a educação e a ciência, que servem para construir a cultura.

"A cultura não é só as artes e não pode ser a exclusão dos que não têm acesso a essas artes. A cultura é uma maneira de pensar que nos obriga a fazer ligações com a ciência, o ambiente, a saúde", lembrou.

Para Emmanuel Demarcy-Mota, filho do encenador francês Richard Demarcy e da atriz portuguesa Teresa Mota, o trabalho de chamar a comunidade portuguesa em França a participar na temporada ainda não está acabado.

"Notei, com a organização desta temporada, que as mudanças já começaram. A geração com 20 ou 25 anos, que têm avós portugueses ou pais, já estão a assumir esta dupla nacionalidade. Mas há muito trabalho a fazer para que haja uma alegria nesta cultura portuguesa, na poesia, na literatura", explicou.

Após ter perdido a mãe no início de janeiro, e devido à ligação que Teresa Mota tinha ao ensino da língua e da cultura portuguesas em França, Emmanuel Demarcy-Mota sente que há "um caminho" pessoal a fazer para continuar a dinamizar esta relação entre os dois países.

Apesar de centenas de eventos nas agendas, o encenador não dá a programação como encerrada, apelando a todos os artistas, professores ou cientistas que queiram desenvolver projetos nos próximos meses a não hesitarem em enviar as suas candidaturas.

"A temporada não é um espaço fechado. É claro que o trabalho já feito pelas nossas comissárias e os eventos que já existem, são muito importantes. Agora há um segundo ato que tem de ser construído. Sou encenador e sei bem que um trabalho mesmo depois da estreia tem de continuar a ser construído", declarou.

Emmanuel Demarcy-Mota compromete-se até junho a apresentar um balanço do trabalho que já feito e das perspetivas até outubro, mas quer também escrever um 'livro branco' do que será feito nos próximos dois anos para continuar a aproximar a França de Portugal.