Itamar Vieira Junior, nascido em Salvador, no Brasil, em 1979, disse à Lusa que o facto de estar envolvido em movimentos cívicos, na atualidade, o levou a adiar vários projetos, designadamente literários.

“Não acredito que exista arte neutra. Todo o ato humano é um ato político e toda a arte é uma arte política”, disse acrescentando que, no seu caso, a sua ação é “humanista”.

Vieira Junior disse considerar que o “discurso” é o que distingue o ser humano dos outros seres e “o discurso é política”.

“O trabalho e a obra são partilhados com outras espécies animais, mas o discurso que é a política, é apenas entre os homens”, argumentou o autor que insistiu: “Todo o ato do homem é política; do médico, do escritor, do agricultor, não importa”.

Referindo-se ao seu romance, “Torto Arado”, Itamar Vieira Junior disse que “sendo uma obra ficcional”, surgiu do seu trabalho enquanto antropólogo com uma comunidade no interior do Estado da Bahia e “fala da luta pela terra, de questões sociais de um Brasil profundo, onde apesar de abolida há mais de 120 anos, ainda encontra trabalhadores que vivem em regime de servidão e escravidão”.

“O Brasil vive um momento dramático na sua democracia ainda muito jovem, com pouco mais de 30 anos, e vivemos um momento em que há uma ascensão assustadora da extrema-direita e de toda uma agenda fascista que é contra negros, índios, contra a comunidade de LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais], contra as mulheres, e é essa agenda que tem protagonizado a campanha presidencial e com grande hipótese de vencer”, afirmou.

“Tenho conversado com amigos escritores, da universidade, e todos estão perplexos, pois uma sombra paira sobre a democracia brasileira e a gente não sabe o que vai acontecer”, afirmou.

A atribuição deste prémio a “Torto Arado” é considerada pelo autor como “simbólica”, pois será a população rural a “mais atingida num eventual reinado de [Jair] Bolsonaro”, do Partido Social Liberal, um dos dois candidatos à segunda volta das presidenciais brasileiras, que lidera as sondagens, em disputa com Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, dos ex-presidentes Lula da Silva e Dilma Roussef.

“Vejo este Prémio com muito apreço, pelo que somos e os que podemos vir a ser no Brasil”, disse o autor que espera que o Prémio LeYa permita “que a obra tenha o alcance para divulgar o quão frágil são ainda as instituições democráticas, o quanto o Brasil ainda falha na proteção das minorias, e dos mais sensíveis”.

O autor argumentou que “a violência é uma constante” na sociedade e que “o Brasil pacífico e cordial é um mito e esta eleição [presidencial] tem mostrado muito isso, há notícias e casos de violência, de pessoas que estão sendo perseguidas”.

Itamar Vieira Júnior nasceu em Salvador, no Estado da Bahia, em 1979, sendo formado como geógrafo e doutorado em Antropologia e Estudos Étnicos, pela Universidade Federal da Bahia.

“O facto de me ter doutorado em Antropologia e Estudos Étnicos me fez aprender a ouvir as populações, aproximar das suas máximas de vida e ver o quanto isso é rico e poderoso e o quanto pode comunicar de humanidade e de experiência humana, que é o sentido maior da literatura, Não tenho dúvida que a minha formação escolar, científica, intelectual, se reflete na minha literatura”, explicou.

O romance “Torto Arado” conta a história de duas irmãs numa zona do interior do Brasil e divide-se em três partes, sendo as duas primeiras narradas por cada uma das irmãs.

Na última, a narração é feita “por um espírito que atravessou o Brasil colonial e a escravidão e vê com muita preocupação, querendo intervir na realidade daquela população”.