“Achei que era uma história que valia a pena contar. Ainda por cima também é uma maneira de filmar Angra do Heroísmo, que é uma cidade extraordinária”, adiantou, em declarações à Lusa, na ilha Terceira, onde participou, este fim de semana, num ciclo de eventos comemorativo do 123.º aniversário da chegada de Gungunhana à ilha.
O último imperador de Gaza (atualmente Moçambique) foi capturado por Mouzinho de Albuquerque, por resistir à ocupação colonial portuguesa, em 1895, e esteve três meses preso em Monsanto, até ser enviado para a Fortaleza de São João Baptista, em Angra do Heroísmo, com o filho Godide, o tio e conselheiro Molungo e Zixaxa, um chefe de uma tribo que tinha atacado Lourenço Marques e que ainda hoje tem descendentes na ilha.
É o período em que Gungunhana passa na ilha Terceira como prisioneiro que o realizador português quer dar a conhecer, não só pela importância histórica da personagem, mas pela forma como se integrou na sociedade.
“É evidente que eles ficaram separados das mulheres, foram exilados, saíram da terra deles e eram prisioneiros, para qualquer efeito, mas como estavam numa ilha tinham liberdade de movimentos”, apontou.
Chegados a Angra do Heroísmo em 27 de julho de 1896, os prisioneiros acabaram por ser batizados cerca de três anos mais tarde, numa cerimónia em que participaram as mais altas figuras da sociedade da época. Gungunhana foi o primeiro a morrer, em 1906.
António Pedro Vasconcelos quer divulgar um “episódio muito rico” da história de Portugal e de Moçambique, ainda pouco conhecido, e a televisão, sublinhou, é “um veículo extraordinário” para o fazer, porque “chega a muito mais pessoas”.
“Ninguém fala nisso. Nós temos uma má relação com a história. Durante muitos períodos, a história foi viciada por razões políticas. Não foi só o salazarismo, mas o salazarismo foram cinco décadas, praticamente. Hoje em dia, há um interesse maior pela história, mas nós temos episódios da nossa história extraordinários e é bom que os portugueses percebam”, salientou.
O realizador já tinha abordado a chegada de Gungunhana a Lisboa na série “Aqui Del Rei”, no início da década de 90, mas agora quer focar-se na presença dos quatro prisioneiros africanos nos Açores e na sua relação com a população da época.
O projeto, “ainda em fase de esboço”, “já está bastante adiantado”, mas falta angariar financiamento, até porque as reconstituições históricas exigem um investimento superior. Ainda assim, o realizador espera conseguir avançar com a série no próximo ano.
Em Angra do Heroísmo, António Pedro Vasconcelos assistiu à estreia internacional do documentário “Forgotten Royalty” (Realeza Esquecida), sobre a história de Gungunhana, assinado por Mosco Kamwendo, com produção da Velvet Productions, de Cardiff, no País de Gales.
Desde 2014 que o realizador nascido no Zimbabué e naturalizado inglês visita a ilha Terceira, de que já fala como uma “segunda casa”, para trabalhar num documentário feito com poucos meios.
“O financiamento para qualquer filme é sempre difícil. Tivemos de filmar com o que tínhamos. Não foi o suficiente, mas tivemos de o fazer com o que tínhamos”, revelou à Lusa.
Mosco Kamwendo cresceu a ouvir falar de Gungunhana, mas como uma lenda, sem saber quanto do que era contado correspondia à verdade.
“A minha avó falava-nos de Gungunhana, como falava das montanhas que se moviam ou do leão que matou o elefante. Ela só dizia que havia um homem chamado Gungunhana que tinha sido levado para algures pelos brancos e que nunca mais foi visto”, recordou.
Foi quando realizou o documentário “Camarada Presidente”, sobre o presidente moçambicano Samora Machel, que se voltou a cruzar com a história de Gungunhana e decidiu aprofundá-la no cinema.
“Quando se é um descendente africano há sempre um ponto na nossa vida em que tentamos fazer com que o nosso mundo faça sentido. Perguntamo-nos sempre de onde viemos e como viemos dali”, sustentou.
O documentário “Forgotten Royalty”, estreado em Angra do Heroísmo, no âmbito de um ciclo de eventos comemorativo do 123.º aniversário da chegada de Gungunhana à ilha Terceira, promovido pelo município, recebeu um apoio 50 mil euros do Governo Regional dos Açores.
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