Já a seguir: "Jessica Jones". Que é como quem diz, já a 20 de novembro, data em que a Netflix estreia, de uma assentada (ou seja, com a temporada completa), a sua nova e aguardada série. Aguardada, sobretudo, depois do bom acolhimento de "Daredevil", outro super-herói da Marvel, cuja primeira temporada passa a estar disponível em Portugal a partir desta semana.

E atender às necessidades dos amantes de séries - e de alguns filmes - é mesmo o principal foco do serviço de streaming norte-americano que já tem presença em mais de 50 países, asseguraram o CEO e cofundador da empresa, Reed Hastings, e também o seu diretor de conteúdos, Ted Sarandos, na sua visita a Lisboa nesta quarta-feira.

Quem procurar outro tipo de propostas - noticiosas, desportivas, eventos com transmissão em direto - pode continuar a seguir a televisão num formato tradicional. "Não estamos a tentar competir com a televisão linear. Preferimos pensar no Netflix como um complemento para quem gosta sobretudo de filmes e séries", sublinha Hastings. "Não tens de cancelar outras coisas para ter o Netflix", reforça Sarandos.

O pacote inicial do serviço em Portugal é esclarecedor e junta alguns dos maiores trunfos televisivos e cinematográficos - sobretudo recentes - a documentários e programas infantis. A oferta disponível em Portugal não difere muito da de outros países europeus, realça o diretor de conteúdos da Netflix: "Tentámos conhecer os êxitos de bilheteira, quais as séries e filmes mais descarregados ilegalmente e ter em conta as audiências televisivas para a nossa seleção inicial, mas a melhor fonte de informação são os hábitos de consumo que conseguiremos recolher quando o serviço começar a ser utilizado aqui. Daqui a uma semana, um mês, um ano, teremos dados muito mais úteis e poderemos fazer ajustamentos na oferta."

Ou seja, o catálogo está tão longe de ser estanque que se torna difícil conhecê-lo na íntegra. Só mesmo aderindo ao serviço e pesquisando, já que essa informação não está concentrada em nenhum documento ou site ao alcance do utilizador. Neste arranque em Portugal, estão garantidas dezenas de propostas já bem conhecidas, inéditas por cá, temporadas completas de outras séries como "Suits", "Arrow" ou "Ray Donovan" ou filmes como "Gravidade", "O Cavaleiro das Trevas" e a trilogia "O Senhor dos Anéis", entre muitos outros. Mas o mais aliciante até pode ser o que está a caminho.

Próximos episódios

"A segunda temporada de 'Daredevil' é inacreditável, se viram a primeira vão adorar esta. Introduz o Justiceiro como vilão, que está incrível, e vai contar com uma produção em grande escala, rara em televisão", assinala Hastings com um entusiasmo de fã adolescente, que desfaz várias vezes a postura de homem de negócios de 55 anos ao longo da conversa.

Outras recomendações da dupla incluem "The Get Down", de Baz Luhrman ("Ele faz filmes de forma muito espetacular e a série também vai ter isso", garante-nos o CEO); "War Machine", filme protagonizado por Brad Pitt; uma comédia produzida por Judd Apatow que traz de volta Pee-wee Herman ou um especial de natal assinado por Sofia Coppola e com Bill Murray no elenco (apesar de o ator nunca ter utilizado o serviço).

A lista continua, enumera Hastings: "Temos 22 séries originais em fase de produção, no próximo ano deveremos ter cerca de 30, com mais 30 programas originais para crianças, 12 documentários, séries documentais como 'Chef's Table', cerca de 12 filmes até ao próximo ano..."

Além da produção própria, o catálogo vale pelo que chega de parcerias com outras redes e estúdios. A dupla promete as novas temporadas de séries como "Suits", "Orphan Black" ou "Black Mirror". Os direitos de "Gotham" ou "Como Defender um Assassino" também entram nas negociações.

E filmes ou séries criados em Portugal, à semelhança do que se tem visto noutros países que acolheram o serviço? "Por enquanto ainda não há nada que possamos avançar, mas é provável a médio prazo. Geralmente, quando a Netflix chega a um novo território, as pessoas interessam-se mais por coisas que ainda não viram. Depois disso, talvez daqui a um ano, quando já conhecermos melhor a realidade local. Aí vamos começar a ver possibilidades locais", diz Hastings.

Netflix

"Narcos", a sugestão da casa

E se pudessem escolher só uma série? A dupla não hesita muito e chega a consenso quanto à que mais deverá agradar ao público português. "Acho que 'Narcos' vai ser muito popular por aqui, até porque o Wagner Moura é muito conhecido e o José Padilha é um grande realizador. Parece-me que vai haver um interesse local muito forte", arrisca Sarandos. "Toda a gente adora cocaína!", brinca Hastings, também adepto da série que aborda o narcotráfico através da vida de Pablo Escobar.

"Temos entre 60 a 75 reuniões com propostas de conteúdos por mês. O mais difícil é encontrar uma aposta que se distinga de tudo o resto. Não há falta de grandes ideias, mas faltam visionários que consigam executá-las. 'Narcos' já arrancou há quatro anos, quando estávamos na América Latina a conhecer realizadores e redes locais. Já conhecia o trabalho documental do José Padilha em 'Ônibus 174' e esta proposta pareceu-me inédita, ao misturar documentário e drama com um potencial muito global, capaz de dizer alguma coisa a muita gente. E o José insistiu em manter uma vertente documental para relembrar às pessoas que aquilo era real, o que acabou por ser uma opção criativa brilhante", recorda o diretor de conteúdos.

Convidar a pirataria a sair

Séries como "Daredevil" ou "Sense8" só agora chegam legalmente a Portugal, mas não é preciso procurar muito para encontrar quem já as tenha visto, discutido e partilhado por cá. Como lida o Netflix com a pirataria? "É um problema em todo o lado, mas uma das soluções pode passar por um bom serviço de conteúdos, legal, que não seja caro. Um preço de 7,99 por mês é um bom argumento contra. Na maioria dos países em que temos entrado, a pirataria tem vindo a diminuir, mesmo que não desapareça por completo. Um serviço rápido, seguro e acessível faz toda a diferença", salienta Sarandos.

O diretor de conteúdos e o CEO da Netflix não são, no entanto, muito taxativos em relação ao tema. Ou pelo menos nem apontam tanto o dedo a quem pirateia como talvez se esperaria. Hastings aponta antes um exemplo que ajuda a explicar parte do fenómeno: "Estamos num país com 10 milhões de pessoas que gostam de séries norte-americanas, falam impecavelmente inglês e ainda não têm disponível uma série tão falada como 'Mr. Robot'. Por isso, sim, a pirataria é um problema, mas às vezes é convidada a entrar. Para nós, não faz sentido deixar que um conteúdo destes tenha de ser roubado para poder ser visto".

"Com o Netflix, uma série está disponível em Portugal no dia em que estreia nos EUA", reforça Sarandos.

O admirável mundo novo da TV

Não falta quem aponte, com alguns exemplos muito bem lembrados, que vivemos na idade de ouro das séries televisivas. Hastings e Sarandos não colocam em causa, naturalmente, as maravilhas do pequeno ecrã, mas recusam tomar partido deste face ao grande. "O cinema é muito poderoso e a televisão é algo diferente, mas é um grande formato narrativo à sua maneira. A competição entre filmes e séries favorece ambos", considera o CEO.

Netflix Portugal

"Um grande filme de duas horas não será mais bem servido por uma série que se limite a esticar a duração da história. São formas de arte muito distintas e acho que a principal razão pela qual muitos realizadores estão a trocar o cinema pela televisão é porque muitos dos filmes que são feitos são cada vez menos apelativos para cineastas interessantes, porque são cada vez mais sobre explosões, monstros e coisas que já vimos muitas vezes", compara o diretor de conteúdos.

"Um filme como 'Beasts of No Nation', que lançámos na semana passada, já estava para ser feito há nove anos, mas não é um filme de grande apelo comercial, é muito difícil de ver, não será o melhor para um encontro no sábado à noite, mas é muito poderoso, belo e brilhantemente executado. É um filme sobre a guerra, e filmes destes não são do tipo em que os estúdios estão a investir", diz-nos Sarandos a propósito da nova obra de Cary Fukunaga, aclamado pela primeira temporada de "True Detective".

"Estes realizadores, que estão dispostos a lutar nove anos para contar uma história, estão cada vez mais a filmar e a escrever para televisão, onde as personagens e as histórias podem ter um desenvolvimento mais complexo e aprofundado", completa.

Ingrediente secreto

"Não negociar com regras e procedimentos. Foi a lição que tirei da minha primeira empresa, nos anos 1990. Sempre que alguma coisa corria mal, criávamos logo uma forma de proceder a seguir. Serve para evitar erros no futuro, mas também compromete a criatividade e a inovação. Por isso, na Netflix, temos uma grande tolerância para o falhanço e muito poucas regras", explica-nos Reed Hastings ao remontar até à sua primeira aproximação ao universo dos conteúdos audiovisuais, com a Pure Software.

"Valorizamos muito a inovação, como passar do envio de DVDs por correio para um serviço de streaming global, para uma rede e um estúdio. Na altura, o nosso sonho era ter uma máquina de fechar cartas. Mas sempre soubemos que a internet seria grande, e foi por isso que decidimos criar a Netflix e não a DVD por correio". Até agora, mais de 69 milhões de pessoas consideram que foi uma decisão acertada. Resta ver quantos portugueses se juntam às assinaturas...