Depois do sucesso da série-mãe, “The Walking Dead”, Robert Kirkman voltou a acertar na mouche com “Fear the Walking Dead”, a série que regressa ao momento em que acontece o apocalipse zombie – o terrível vírus que se propaga misteriosamente pelo planeta e que parece que ninguém consegue deter.
O ator Colman Domingo é uma das figuras que tem ganho destaque desde o final da primeira temporada. A sua personagem, Victor Strand, é a de um misterioso milionário com uma agenda própria – com direito a um luxuoso iate e tudo - num mundo em que os vivos deveriam confiar nos que ainda conseguem sobreviver. Mas Victor não é assim – aparentemente. A sua vida esconde um passado que vai sendo desevelado à medida que vamos assistindo a outros dramas de famílias a desfazerem-se, fisica e emocionalmente.
Encontrámos Colman Domingo em Madrid para uma conversa sobre a segunda parte da segunda temporada de “Fear the Walking Dead” – que pode ser acompanhada no canal AMC, às segundas-feiras, às 22h10. O ator conta-nos que Victor Strand também é para ele um mistério, o que pode ser, de certa forma, uma vantagem no desafio do intérprete. Colman conhece o arco narrativo que os criadores quiseram dar à série – mas no meio há muita dramaturgia para explorar.
Quando começou este projeto, passou-lhe pela cabeça que os zombies também podiam representar um perigo também dentro de água?
Nem imaginava! (risos) Eu nem sabia bem o que os zombies poderiam fazer. Nunca fui muito grande fã de dramas de zombies, mas quando comecei a perceber as regras, de certa forma, adorei o facto de estar a examinar as regras daquilo que podem fazer: “ah, também podem flutuar!” Mas acho que ninguém do elenco tinha visto a série-mãe, “The Walking Dead”. A primeira vez que vi um zombie na série foi, de facto, o primeiro que vi de sempre. “Ah, é assim que eles são! Mexem-se devagar!” Foi uma aprendizagem orgânica.
Então, como não tinha esse interesse, como é que se relacionou com a série?
Porque este é mais um drama familiar com zombies no meio (risos). Desde a primeira temporada que eu olho para a minha personagem, o Victor Strand, como alguém saído de uma peça de Shakespeare. Comecei com um monólogo incrível, muito bem escrito.
Quem representa mais perigo nesta série: os vivos ou os mortos?
Os vivos, sem dúvida! Os mortos são apenas uma complicação! Os humanos, nesta série, mudam muito rapidamente. E têm de lidar uns com os outros. Há sempre uma espécie de bússola moral que está, constantemente, a mudar e a ser posta em causa. Ontem eras incapaz de matar alguém, mas hoje já não tinhas dúvidas. Estamos sempre a desafiar as nossas necessidades.
É essa bússola moral que ajudou ao sucesso da primeira temporada e metade da segunda?
Tenho certeza que sim. Aposto que as pessoas em casa pensam: “Eu sou como aquela personagem. Eu faria aquilo numa situação destas.” E três episódios depois percebem que já são mais como outra personagem. Não tenho dúvidas de que a série é uma representação de quem somos, enquanto espectadores. Há pessoas que dizem que o Victor Strand é bom, outros dizem que é mau. Mas é sempre a partir das próprias convicções.
A sua experiência no teatro foi importante para criar esta personagem?
Sinto que esta personagem está muito próximo do meu trabalho na dramaturgia até porque começa tudo no papel, com o guião. Os guionistas deram-me tanta liberdade e escreveram uma personagem tão complexa que não pode ser alguém muito plano: tem de ter mais camadas e mais profundidade. Tem de se olhar para todo o arco dramático da série. Mas, para ser sincero, eu trabalho sempre assim, com muita pesquisa. Faço muito trabalho de casa, mesmo antes de arrancar com as filmagens para conseguir mostrar todas as possíveis camadas.
Já sabe tudo sobre Victor Strand?
Não sabia e continuo sem saber. Sabia certas coisas, como o facto de ele ser rico, alguém que tinha feito a sua própria riqueza, que tinha vindo do nada, que tinha uma filha chamada Abigail e, possivelmente, uma ex-mulher que estava neste barco. Mas as coisas mudaram e tenho de interpretar momento a momento, também com aquilo que os guionistas nos dão. Há alguma colaboração com eles que nos permite descobrir mais coisas, mas gosto muito dessa ideia de não saber tudo e ir descobrindo pouco a pouco.
Essa construção a pouco e pouco é feita a partir do texto ou a partir das suas reflexões pessoais? Não o que está no texto, mas no sub-texto?
É isso, exactamente. Recebo o guião e tento perceber aquilo que os guionistas nos deram e as suas intenções. Mas nosso trabalho enquanto atores também é lembrar-nos do arco narrativo: de onde vimos e para onde vamos, e, claro, o que acontece naquele momento.
O Victor Strand também é um mistério também para si?
Também é para mim. É um enigma embrulhado num fato da Ralph Lauren (risos). Agora, nesta altura, talvez já esteja embrulhado em roupas usadas. Isso faz parte da desconstrução pessoal do Victor, da sua redefinição. É algo a que ele está habituado, mas agora esta redefinição... os valores mudaram então ele também está à procura de si.
O Victor parece ter uma agenda própria. Vamos conseguir ver melhor qual é essa agenda, quais os seus planos, nesta segunda parte da temporada da série?
Acho que sim. Nesta segunda parte, ele já jogou muitas das suas cartas, já mostrou as suas intenções, nomeadamente ir para a sua propriedade no México. Mas também já sabemos da sua relação com Thomas Abigail. Eu tenho vindo a analisá-lo desde o início e uma coisa que é inegável é que ele tem sido sempre um homem de palavra. É muito claro com aquilo que diz, ou então, simplesmente, não diz! É muito claro com as suas regras e não acho que seja um manipulador. Agora que tanta coisa mudou e foi comprometida, creio que vamos encontrar um homem de coração aberto e isso é desafiante.
No caso de nos encontrarmos num apocalipse zombie se calhar importa pouco se somos bons ou maus. Importa mais ser honesto?
Parece-me bem! Diria que sim a isso! Ele é muito sincero. E vejo isso pelos guionistas, que querem mantê-lo assim. Ele nunca mente – pode é nunca dar a informação completa a quem está com ele, porque também não sabe o que vão fazer com essa informação.
Sente que as pessoas gostam da sua personagem?
Adoram-no! Mas às vezes não. Ele é daqueles que não tem medo de fazer escolhas difíceis – como soltar as amarras do salva-vidas e deixar um miúdo andar à deriva pelo mar que ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, ia morrer e comprometer os objetivos. Eu recebia tuítes de ódio a dizerem que ele era odioso! Mas o que é que essas pessoas fariam naquela situação? Essa é que é a decisão difícil e ele não tem medo de a tomar, enquanto o Victor pesa os prós e os contras. Não é alguém que responde emocionalmente.
Sabemos também que o Victor passou por muito e perdeu quem ama. Num mundo que vai morrendo aos poucos, o que é que o mantém nessa luta? O instinto de sobrevivência?
Acho que sim. Se ele morresse, de alguma forma, seria à sua maneira. Foi assim que ele determinou e foi algo que vimos no arranque da primeira parte da segunda temporada: ele não morre por alguém. Mas está a ser desafiado pelos sentimentos… algo que ele tentou sempre afastar de si. A sua vida dele foi sempre mais de obrigações: “o que é que podes fazer por mim que eu faço por ti” – em tudo, desde os negócios até à sexualidade (risos).
Conte-nos lá, e sabendo o que sabe hoje: numa eventualidade de ser ver metido num apocalipse, preferia estar só ou acompanhado de pessoas que não conhece de lado nenhum?
Eh, pá... acho que por pessoas que não conheço de lado nenhum. É difícil estar sozinho, mesmo que possa ser mais seguro. E basta ver pelo Victor Strand, que deixou pessoas subir a bordo do barco. Mas precisamos sempre de pessoas: a série é sobre isso, na verdade. Mostra como precisamos todos, muito, uns dos outros.
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