Depois de uma primeira temporada estreada no ano passado, a nova versão de "The Twilight Zone" está de volta com mais dez episódios. Como sempre desde finais dos anos 1950, época em que foi criada por Rod Serling e conhecida em Portugal como "Quinta Dimensão", a série de antologia propõe episódios com histórias independentes, sem personagens e situações em comum ao longo da temporada.
Billy Porter é uma das novas caras dos próximos capítulos da aposta da CBS, mais uma vez desenvolvidos por Jordan Peele, Simon Kinberg e Marco Ramirez, cujo elenco inclui ainda nomes como Damon Wayans Jr., Morena Baccarin, George Takei, Gretchen Mol, Topher Grace ou Sky Ferreira - todos envolvidos em pequenos contos entre ambientes de ficção científica, fantasia e terror, com doses variáveis de psicologia, metafísica e tensão.
"Uma das coisas que adoro no conceito de 'Twilight Zone' é o facto de ter sempre uma dimensão de parábola, criando histórias que funcionam como um espelho da humanidade", conta o ator norte-americano numa conferência de imprensa virtual na qual o SAPO Mag participou.
"Coloca questões que fazemos a nós próprios, mas de uma forma criativa", acrescenta. E não faltam questões em "The Who of You", episódio no qual participa, uma exploração da identidade e do corpo a partir da espiral descendente de um ator em crise (interpretado por Ethan Embry).
"Uma colher de açúcar ajuda o remédio a descer"
Porter ajuda a reforçar o lado surreal de um capítulo já de si excêntrico, mas capaz de estabelecer pontes com a realidade. Um paralelo que já vem de longe, recorda. "Era muito novo quando comecei a ver a série, e via-a à noite, antes da emissão televisiva terminar. Nessa altura não emitia toda a noite e só tínhamos uns três canais [risos]. E quando és exposto a uma história com parábolas destas, sobre como agir e tomar decisões, acho que te tornas uma pessoa melhor, acho que isso torna o mundo melhor. Costumava ver antes de ir dormir e deitava-me a pensar no que tinha visto. E era algo muito poderoso, até porque tive uma educação religiosa e a Bíblia também é feita de parábolas, de histórias sobre o Bem e o Mal que nos dão luzes sobre o nosso mundo".
Sobre a nova versão de "The Twilight Zone", o ator diz que "conseguiu manter o espírito da série clássica, adaptando-o aos novos desafios dos tempos modernos. (...) Uma colher de açúcar ajuda o remédio a descer', disse Mary Poppins há muitos, muitos anos. Se contarmos histórias através de metáforas e parábolas, abrimos um espaço nas pessoas que não passa pela vergonha ou pela culpa e permite que elas possam tomar as suas próprias decisões. O que não invalida que não possamos ser também mais específicos e mais diretos, até porque eu sou muito assim", explica.
Mas por muito que as parábolas de "The Twilight Zone" sejam extremas, os últimos anos, e 2020 em especial, têm provado que a realidade pode disputar com os cenários distópicos de alguma ficção. Entre os exemplos possíveis, Porter não passa ao lado de uma figura como o atual presidente norte-americano, Donald Trump, e lamenta o cenário que levou à sua eleição. "Já disse muitas vezes que estou a viver na Twilight Zone. A forma como o desvalorizámos como um palhaço foi o que me assustou mais. Lembro-me de pensar que poderia mesmo vir a acontecer porque não estávamos a prestar atenção".
Por outro lado, o ator também encontra alguns sinais animadores nos dias de hoje, sobretudo nas reações sentidas e solidárias à morte de George Floyd e no movimento Black Live Matter. "Estamos a passar, não só nos EUA mas no mundo inteiro, por uma fase de transição, transformadora, enquanto espécie. Ver pessoas nas ruas outra vez, a exigir serem ouvidas, é encorajador e traz-me muita esperança", realça.
Um lugar no mainstream
Com um percurso que cruza a música, a moda e vários papéis na televisão, no cinema e no teatro, Billy Porter chegou aos 50 anos com um dos maiores presentes da sua carreira: em 2019, tornou-se o primeiro homem negro e homossexual a ser nomeado e a sair vencedor da categoria de Melhor Ator nos Emmys. Um triunfo conseguido pelo seu papel em "Pose" - série de Ryan Murphy centrada na comunidade LGBTQ+, e em particular em drag queens - e um galardão a juntar aos dos Grammys e Tony Awards.
"Enquanto artista negro e queer, passei grande parte da minha vida e da minha carreira a tentar encontrar um espaço em que a minha identidade pudesse ser vista e em que uma história pudesse ser contada da minha perspetiva. Demorou muito até isso acontecer, mas estou muito grato por ter vivido o suficiente para que eu, Billy Porter, possa ter um lugar no mainstream. É uma boa notícia, é uma mudança, e espero que nós, enquanto artistas, possamos continuar a trilhar esse caminho com histórias de todos os tipos de pessoas", sublinha.
A nova versão de "The Twilight Zone" também dá um passo em nome da representatividade, ao juntar atores de várias etnias no elenco, incluindo o diretor executivo Jordan Peele - uma das vozes afro-americanas mais decisivas em Hollywood nos últimos anos, através de filmes como "Foge" ou "Nós", que realizou, ou da série "Lovecraft Country", da qual é produtor executivo.
"Sinto que a arte tem a possibilidade e a capacidade de entrar nos corações e nas cabeças das pessoas e mudar a sua estrutura molecular. Podemos fazer isso, enquanto artistas, e pessoalmente encaro-o como uma responsabilidade que assumo com orgulho e humildade", confessa Porter, deixando um exemplo do poder transformador da arte que acompanhou de perto. "Lembro-me de que quando assumi a minha homossexualidade me encontrava muito distante da minha mãe, que é muito religiosa, quanto ao que implica ser homossexual e o que a Bíblia tem a dizer sobre isso. Durante anos, estivemos em desacordo sobre este assunto, e durante anos apresentei-lhe vários tipos de arte que esperei que a pudessem fazer mudar de perspetiva. Recorri a livros, filmes, peças de teatro e testemunhei as suas mudanças passo a passo. Julgo que essa é uma forma muito poderosa de estabelecer ligações e de nos relacionarmos com a nossa humanidade. E esta série parece-me muito certeira nisso. Estou muito grato por poder participar, é um sonho tornado realidade".
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